Música

Black Pantera lança ‘Ascensão’, necessário petardo antirracista

Terceiro disco da banda mineira, que vai tocar no Rock in Rio, tem letras de protesto e críticas a qualquer forma de opressão

Por Bruno Mateus
Publicado em 11 de março de 2022 | 12:32
 
 
 
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O Black Pantera queria um nome forte para o terceiro disco da banda, formada em Uberaba pelos irmãos Chaene da Gama (baixo) e Charles da Gama (guitarra e voz) e por Rodrigo Augusto (bateria). O título “Ascensão do Império Preto” foi cogitado, mas os músicos ponderaram que ele deixaria de fora outros alvos de preconceito, como a comunidade LGBTQIA+ e as mulheres. A ideia era abranger e chegar aos demais públicos que se sentem excluídos pela sociedade, ao mesmo tempo em que os músicos queriam manifestar luta, conquista, resistência e poder. Uma palavra bastaria. E ela apareceu quando o disco já estava pronto.

“Ascensão” aterrissou nesta sexta-feira (11) nas plataformas digitais. A capa trata de traduzir em uma imagem a mensagem do título. Captada no norte de Moçambique, na província de Meconta, a foto de Victor Balde, que integra a coleção “Lute Como Uma Moçambicana”, revela Ana Francisco e Carolina Antônio. Imponentes, de mãos dadas e com seus facões, elas protegem uma criança.

Quando viram a foto, Chaene, Charles e Rodrigo não tiveram dúvida: ela representava tudo que eles queriam dizer. “A imagem é muito forte, não tinha outra. Ascensão está ali na capa, duas mulheres prontas para defender a retomada e tem uma criança negra - um rei ou uma rainha?”, comenta Chaene. O fotógrafo não cobrou direitos autorais pelo uso da foto — o valor foi revertido para Ana e Carolina.

Gravado em 13 intensos dias de outubro de 2020 no estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, “Ascensão” chega na hora certa. É o que diz o baixista logo no início da entrevista a O TEMPO. Ele e os companheiros de banda haviam acabado de ensaiar em Uberaba para a série de shows que farão nos próximos dias em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O primeiro, neste domingo (13), acontece na cidade do Triângulo Mineiro.

“Sai na hora certa porque vivemos um governo machista, racista, negacionista. O povo preto tem sido massacrado aos olhos de todo mundo. Não só os pretos, mas as mulheres, os LGBTs. Apesar de ter sido composto em 2020, esse disco vai servir para daqui a 10 anos porque o estrago está sendo grande”, pontua Chaene da Gama.

Porradaria e protesto do início ao fim

“Ascensão” tem 12 faixas. Pesado, sujo, furioso, direto, para bater cabeça do início ao fim, o disco é contundente, necessário e põe o rock, o trash metal, o hardcore e o punk num mesmo liquidificador. O Black Pantera consegue ser potente no som e no discurso, com letras engajadas, politizadas, antirracistas, inspiradas pelas desigualdades sociais e atentas às tragédias cotidianas de um país historicamente contraditório.

Quem ganha, e muito, é o rock nacional. Desde 2014, quando Charles da Gama decidiu formar a banda para fazer música autoral em português, o power trio levanta a voz contra as tiranias. Foi assim nos dois primeiros discos, “Project Black Pantera” e “Agressão”, lançados em 2015 e 2018, respectivamente.

O próprio nome da banda, referência aos Panteras Negras, grupo político norte-americano fundado em meados dos anos 60 que defendia a luta armada como forma de resistir à violência policial e do Estado, já coloca o Black Pantera na trincheira, influenciado tanto por Sepultura, Sarcófago, System of a Down, Rage Against the Machine e Slipknot, quanto por Malcolm X, Luís Gama e símbolos da cultura pop como “Django Livre”.

“Desde o começo eu queria uma banda preta, empoderada, que tocasse em certos assuntos. A banda foi crescendo, evoluindo, e as músicas que vão na ferida são as que a galera mais pede. Isso é muito bom. Somos ativistas e não conseguimos ficar calados”, comenta Charles.

Para o baterista Rodrigo Augusto, o amadurecimento musical e intelectual do grupo foi gradativo e natural: “Do primeiro disco para esse, você vai ver uma profundidade maior nos temas, a música também evoluiu. Ela é rápida, direta, mas também quer tocar as pessoas”.

O Black Pantera expressa seu recado em faixas como “Fogo Nos Racistas”, sentença de ordem popularizada pelo rapper mineiro Djonga. Lançada como single em fevereiro, a faixa também ganhou videoclipe, com o boneco da Ku Klux Klan sendo queimado e alusão à Ogum, orixá do fogo, do metal e da guerra. A participação especial e extremamente simbólica fica por conta de Madalena Gordiano, mineira que viveu em Patos de Minas durante 38 anos - desde os 9, é preciso dizer - em regime de escravidão.

Ela foi libertada em dezembro de 2020 por auditores fiscais do trabalho e pela Polícia Federal. Madá escolheu Uberaba para construir uma nova vida e acabou estabelecendo uma relação com o Black Pantera. “A presença dela, com um sorriso maravilhoso, é de uma simbologia brutal”, ressalta Chaene. “A ascensão do império preto/ O império contra-ataca/ O lado negro da força aqui/ Só fode com reaça/ E eu digo na sua cara/Fogo nos racistas/ Eu disse fogo nos racistas (expõe pra queimar!)”, diz a letra de “Fogo Nos Racistas”.

“Padrão é o Caralho”, “Eles que lutem”, “Revolução é o Caos” e “Anti Vida” continuam na linha politizada, enfiando o dedo nas feridas sem dó. “Dia do Fogo” condena a destruição ambiental e traz a participação de Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish. “Estandarte”, numa tabelinha com a banda curitibana Tuyo, fecha o disco mencionando aqueles que “saíram do armário e assumiram preconceitos em nome da família, em nome do respeito” e deixa a mensagem: “O amor é aquilo que faz/ Ele não diferencia os iguais”.

No palco do Rock in Rio

Nascida em Uberaba, região onde o agronegócio e a música sertaneja fazem uma dupla imbatível, o Black Pantera nadou contra a corrente desde o primeiro dia. Tocar rock pesado na cidade do Triângulo Mineiro não é, digamos, surfar na onda boa. Apesar de não estar na lista dos mais ouvidos do Spotify e de outras plataformas, o rock resiste, ainda faz barulho, tem relevância e continua movimentando uma cena importante. O trio está aí para provar. No entanto, sair dessa bolha foi fundamental. O Black Pantera já tocou nos mesmos festivais que tinham como convidadas Duda Beat e Anavitória.

“Estamos acostumados a ir na contramão. Nunca nos acomodamos, nunca quisemos tocar só em festival de metal, já colamos com a galera do rap em Uberaba. Se não fosse assim a gente não ia conseguir expandir nosso trabalho”, diz o vocalista Charles.

Curiosamente, o Black Pantera tocou primeiro no exterior, em festivais nos Estados Unidos e na Europa, para depois começar a ser notado no Brasil, entre 2017 e 2018. Fora do país, a banda dividiu line-ups com Slayer, Linkin Park, Green Day e Rancid, entre outros grupos que Charles, Chaene e Rodrigo escutavam na calorenta Uberaba. “Ascensão” traduz bem o momento do grupo. A conquista mais recente foi o convite para tocar no Rock in Rio. No dia 2 de setembro, no Palco Sunset, os mineiros convidam o Devotos, banda de punk rock recifense referência no país desde os anos 90.

Até lá, o Black Pantera realiza alguns shows da turnê do novo disco e colhe os frutos de todos os ‘corres’ feitos desde que o trio se reuniu para fazer muito barulho — tanto com uma música visceral e impactante, quanto pelo discurso que afronta qualquer tipo de opressão. “Não estamos no Rock in Rio à toa, trabalhamos muito, passamos por muito rolê pesado, de dormir na rua, de viajar só com passagem de ida e volta e não ter direito onde ficar. Nunca nos acomodamos”, arremata o baterista Rodrigo Augusto.

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