Marcos Frederico sentiu-se na famosa marchinha de Nássara e Haroldo Lobo, “Allah-la-ô”, lançada em 1941, que proclamava o Deserto do Saara, quando, no ano passado, BH atingiu uma temperatura recorde em sua história, com os termômetros beirando 40°C. No Rio de Janeiro, a sensação térmica chegou a 60°C. Esse cenário surrealista deu o mote para “O Amor Está no Ar-Condicionado”, de Frederico e Thiago de Souza.
A intenção foi “tratar com graça temas preocupantes, sem perder de vista aquela pitada de sacanagem”. “O aquecimento global está aí e a gente precisa alertar as pessoas, nem que seja com humor”, sugere o compositor. Para ele, “o ritmo contagiante e a possibilidade de colocar para fora, com deboche, coisas que as pessoas querem, mas não têm coragem de expressar”, são o segredo das marchinhas.
Foliona de carteirinha que costumava ir para o Rio antes da retomada momesca na capital mineira, a compositora Ana Rodrigues celebra o fato de, atualmente, os bloquinhos de rua já terem à disposição um repertório de marchinhas locais. “É importante para que os novos compositores possam ter visibilidade”, assinala. Na opinião de Vitor Velloso, esse “envolvimento de toda a cidade gera entretenimento e conscientização política, sem precisar levantar tacapes e agredir o adversário”.
“Fomos expandindo nossa produção de situações locais para nacionais, às vezes mais mundanas, noutras com trocadilhos”, diz Velloso, sublinhando a gama de possibilidades para a crônica em forma de paródia que a marchinha propicia. Ele se ressente da ausência do Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, que, desde 2021, parou de preencher o calendário da folia, e com o qual foi premiado com a histórica "Baile do Pó Royal”, em 2014.
“Sou um pouco saudosista, sinto falta da interação com a plateia, de cantar junto, daquele clima de festival. Era uma reação mais próxima, e, também, mais profunda do que esta que recebemos pelas redes sociais”, compara. Inicialmente impossibilitado por conta da pandemia, a alegação para o concurso deixar de acontecer em 2023 foi falta de patrocínio. Kuru Lima, responsável pela iniciativa, não atendeu aos contatos da reportagem.
Frederico sustenta que, com organização e interesse, o festival pode voltar à baila. “Acredito que, em 2025, alguém possa puxar esse carro, talvez com outro formato”, conclama. Paralelamente, ele assegura que essa produção, “que foi sendo aprimorada nos últimos anos”, segue o seu caminho. “O concurso era um incentivo a mais, ajudava muito na divulgação, mas a gente não depende de festival para compor”.