Das dez marchinhas que chegaram à final do Concurso Mestre Jonas 2018, que acontece neste domingo no Mercado do Cruzeiro, apenas uma traz assinatura feminina. “Trombeta” é obra de Rita Guerra e Regina Paletta. Ao lado de Therezinha Franco, elas formam o Grupo Delas. Funcionárias públicas aposentadas, as três descobriram juntas a inclinação para a arte durante apresentações do “Auditor Talento”, projeto feito para incentivar o canto e a composição musical no ambiente de trabalho.
Ironicamente, a inspiração para a marchinha selecionada surgiu, justamente, no mesmo festival onde agora elas são chamadas para subir ao palco, mas um ano antes. “A gente sempre adorou o Mestre Jonas e fomos lá na semifinal, cada uma com seu marido, companheiro, namorado. Todas fantasiadas, e curtimos muito”, relembra Rita.
“A gente ficou brincando que não éramos da faixa etária majoritária, e estávamos tão alegres, rindo e nos divertindo tanto que as pessoas deviam achar que a gente tinha tomado alguma coisa”, conta. Baseada nesse brincadeira, nasceu “Trombeta”. “No sábado seguinte a Regina me mandou por e-mail um rabisco da letra e, no mesmo dia, terminamos”. Os versos dizem: “Eu, mocinha de 60, adoro chá/ (...) Mas peguei a folha errada no quintal/ Nunca bebi nada igual/ (...) Toca trombone, toca trombeta/ Já cheguei na praça Sete/ Subi naquele obelisco/ (...) Tô me achando a Ivete!”.
“É bom para quebrar um paradigma. A gente acaba desafiando padrões, as pessoas usufruem muito menos da liberdade do que podem. Estamos com 60 anos mandando brasa, vivendo plenamente, e olha que quem está te falando isso é uma pessoa que trabalhou como funcionária pública, quer vida mais ‘certinha’?” diverte-se Rita, que inscreveu outras duas canções no concurso: “Planeta Velho, Planeta Novo”, só dela; e “Golpe Baixo”, com as duas amigas. Therezinha e Regina ainda enviaram “Vampiro Tropical”. “Ser uma das únicas mulheres na final me faz sentir igual à Ivete na letra”, brinca.
Descobertas. A história de “Adeus de Carnaval” é curiosa. Composta no final da década de 60 por Inês Braga, a marcha-rancho voltou à tona em 2017 quando, por iniciativa do irmão, Marcelo Braga, a música foi inscrita no Mestre Jonas. Interpretada por Mauro Zockratto, chegou à final. “Nasci com a arte dentro de mim, e de maneira tão absoluta que criei meu mundo em torno dela e nem consigo lidar com o lado prático da vida”, admite Inês, que também é poeta e pintora. “Essa é uma composição nascida do sonho de um Carnaval que fosse só ternura, tenho várias outras que perdi porque nunca pensei em guardar”, diz. Aline Leone também foi descoberta, mas por ela mesma, como compositora. Ela chegou à semifinal do concurso deste ano com “Black Fraude”. “Minha mãe e avó sempre cantaram em casa. Ano passado toquei pela primeira vez no bloco Bruta Flor, composto somente por mulheres. Tudo isso me incentivou”.
Diretora debate a folia em peça
FOTO: Carlos Hauck/divulgação |
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Gabriela Luque propôs marchinha com viés contestador |
Em cartaz de 16 de fevereiro a 4 de março deste ano como parte da Campanha de Popularização Teatro & Dança, a peça “Rua das Camélias” estreou em 2017, tendo como palco um antigo prédio de prostituição na rua Guaicurus. Dirigido por Gabriela Luque, o espetáculo tem como ponto principal de abordagem a vida das prostitutas, mas não deixa passar outros temas inerentes. O desfile de blocos de grande porte no local suscitou na diretora o desejo de debater a questão.
“A Guaicurus é um lugar onde as pessoas vão para festejar no Carnaval, mas não conversam com quem de verdade habita o local no resto do ano, que são os moradores de rua e as prostitutas. Sem essa troca efetiva, elas continuam estigmatizadas”, aponta. Segundo ela, o bloco Então, Brilha!, um dos mais conhecidos, só tomou uma atitude nesse sentido recentemente.
“A Cida Vieira, presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), chegou a subir num trio, outras prostitutas agora já desfilam em algumas alas, mas demorou um tempo, de acordo com elas”, conta Gabriela.
Marchinha. O incômodo diante dessa realidade motivou a criação da marchinha que integra a peça. Os intérpretes da Cia. Vórtica de Teatro, formada por Ariadna Paulino, Edsel Duarte, Flávia Pacheco, Istéfani Pontes, Marina Abelha, Gabriel Zocrato e Regina Ganz, além da própria Gabriela, foram instigados pela diretora a criar uma composição que “pensasse a situação da mulher na atualidade, com uma pegada feminista”, afiança a entrevistada. Com a colaboração dos músicos Thiago Braz e Deh Mussulini, eles chegaram aos versos: “Ser mulher não é só vestido/ É ser camélia, travesti, dona de casa, feminista e pomba-gira”.
“A ideia é mostrar que ser mulher vai além de se fantasiar no Carnaval”, afirma. A diretora participou, pela primeira vez esse ano, do bloco Sagrada Profana, de viés feminista. “Ver aquela mulherada junta, mães, filhas, jovens, foi superpotente”, finaliza.
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