Cinema

Cícero Lucas, de ‘Marte Um’, planeja carreira sem deixar o samba de lado

Após despontar no premiado filme de Gabriel Martins, ator quer estudar teatro, mas sabe que a pressa é inimiga de seus planos

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 20 de setembro de 2023 | 06:26
 
 
 
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Um ano após a estreia de “Marte Um”, ao falar sobre o filme do diretor mineiro Gabriel Martins, os olhos de Cícero Lucas ainda brilham como os de Deivinho, o garoto que joga futebol para satisfazer a vontade do pai, mas sonha em ser astronauta e embarcar em uma missão espacial rumo ao segundo menor planeta do Sistema Solar. Premiado em festivais no Brasil e no exterior, o longa, rodado em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, em 2018, foi escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar deste ano, na categoria Melhor Filme Internacional.

O fato de não ter chegado lá não diminui em nada a bela e inspiradora trajetória de “Marte Um”, da produtora mineira Filmes de Plástico. “Fica um sentimento de dever cumprido. Mesmo tendo baixo orçamento, bateu de frente com filmes que tiveram grandes investimentos. Lembrar a rotina das famílias pobres brasileiras mexeu muito com as pessoas. Não é todo filme que consegue falar da realidade periférica daquele jeito”, ressalta o ator, em entrevista por telefone há uma semana, um dia depois de completar 18 anos.

Cícero tem um orgulho imenso do filme, que lhe abriu as portas não só do cinema – o jovem nunca havia atuado em uma produção audiovisual –, mas fez com que o belo-horizontino, nascido e criado no bairro Serra, na região Centro-Sul da capital, voasse para Los Angeles e Nova York em sua primeira viagem internacional. Foi também graças ao papel no elogiado “Marte Um” que Cícero topou com artistas que antes só via na TV.

Um papo com Antônio Pitanga no Festival de Gramado do ano passado é uma das recordações mais bonitas que passeiam pelas memórias de Cícero Lucas: “Um momento incrível, Pitangão é um ator fenomenal, uma pessoa maravilhosa. Ele gostou muito do filme, conversei bastante com ele, que dá esse suporte para a gente que é preto e fala da importância de ter filmes com pessoas pretas. Foi muito bom ouvir isso dele, e é uma coisa que escuto muito, sobre ter pessoas pretas fazendo arte. É assim que tem que ser”.

No fim de agosto, o troféu de Melhor Ator Coadjuvante no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2023, realizado no Rio de Janeiro, coroou o trabalho de Cícero e em grande medida dá a ele um estímulo para continuar almejando novos voos: “Qualquer ator brasileiro sonha com esse prêmio, e conseguir ganhar tão novo é especial. É a minha maior conquista, mas lido bem com isso, mantenho a calma. Quero poder viajar, conhecer novos lugares e pessoas com a arte. É isso que eu quero”.

O ator diz ter muitas semelhanças com Deivinho, e isso o ajudou a construir o caçula de uma família periférica impactada pela eleição de um presidente de extrema direita. A timidez, a curiosidade aguçada e a relação carinhosa com a família são aspectos presentes na ficção e na rotina do jovem mineiro, que um dia, na infância, alimentou o mesmo sonho de milhões de crianças brasileiras: ser jogador de futebol. O tempo passou, e Cícero teve certeza de que correria por outros campos.

Música e cinema

Após a repercussão de “Marte Um”, projetos no cinema começam a aparecer. Neste ano, o garoto gravou uma ponta na série adolescente “#Falasério!”, que tem roteiro e direção da mineira Silvia Godinho e está sendo produzida para a TV Cultura de São Paulo. A pressa é inimiga dos planos de Cícero. Cursando o primeiro ano, estudar teatro quando concluir o ensino médio é uma meta. “Tudo virá naturalmente, é uma questão de tempo. Ainda tem muita coisa para acontecer”, comenta.

Antes de despontar em “Marte Um” e descobrir uma vocação até então escondida, Cícero Lucas, filho do cantor e compositor Dé Lucas, já era um apaixonado por samba. Da plateia para os palcos, foi um pulo, e Cícero passou a se apresentar com o pai. Atualmente, cumpre uma agenda de shows como percussionista da banda de Adriana Araújo.

Entre o cinema e a música, ele não vê motivos para decidir entre um e outro. Embora diga que a sétima arte seja uma prioridade, Cícero não pretende deixar os palcos: “Uma coisa não anula a outra, são coisas interligadas, podem se ajudar. Se eu escolher o cinema agora, não significa que vou deixar de fazer música”.

Mesmo com o sucesso de “Marte Um” e as aspirações para a carreira de ator, Cícero Lucas não quer dar passos maiores que as próprias pernas podem alcançar. A rotina do ator não tem nada de extraordinário: ele vai ao colégio – segunda, quarta e sexta em horário integral – e, no tempo livre, joga videogame com os amigos, que o apelidaram de “Hollywood”; toda quinta-feira é dia de deixar o cabelo “na régua” para aumentar a autoestima.

Cícero afirma não ter grandes ambições. Não sonha com os holofotes, mas sabe que o reconhecimento profissional é consequência de um trabalho bem-feito. Como Deivinho olhando para o céu infinito, ele mira o futuro, mesmo que ainda pareça longe. De muita coisa ele não tem certeza, mas já vislumbra uma família e a casa própria, com cinema e música andando lado a lado. “Quero viver tranquilo sem deixar de ser quem eu sou. Isso eu prezo desde sempre”, diz, com convicção.

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