Os olhos de Dolores Bicalho, a vovó Dorita, não carregam mais a visão clara de sua juventude. Mas ao colocar o olhar Andrea Bocelli, que se apresenta em Belo Horizonte, na noite desta sexta-feira (17), não restaram dúvidas: o brilho de seus olhos vai além de qualquer capacidade de enxergar. Prestes a completar 100 anos, ela recebeu um dos maiores presentes de sua vida, o de conhecer o tenor italiano, que tornou-se um dos maiores ídolos dela.
Dona Dolores chegou no Mineirão com “o coração apertado.” Em uma cadeira de rodas, nas mãos, ela carregava o livro biográfico do artista “A Música do Silêncio”. A expectativa era a de que, além de conhecer o tenor, ele também pudesse assinar a obra. Além dele, vovó Dorita pretendia trazer um presente. “Ela queria levar uma orquídea para o Bocelli”, revela uma de suas filhas, Vani Bicalho - além dela, vovó Dorita teve outros 10 filhos.
A ideia da flor acabou sendo deixada de lado, a conselhos da filha, mas a matriarca conseguiu o autógrafo. Não somente. No encontro rápido com o tenor antes do show, ela pode lhe dar as mãos em um cumprimento afetuoso. Dona Dolores também lhe lançou um olhar demorado de ternura. Os dois não chegaram a conversar, devido às dificuldades próprias da idade dela e do idioma, mas, foi possível ouvir dela um tímido “Tá boa?”, ao cumprimentar a mulher de Bocelli, Veronica Berti.
No fundo, dona Dolores sabia que conheceria o tenor, mesmo que para isso tivesse que esperar quase 100 anos. “Eu pensava, sim”, responde, ao ser questionada sobre se imaginaria a possibilidade do encontro. Encontro este, que aconteceu, graças a uma grande mobilização da família.
Os parentes da vovó Dorita, que incluem ainda 22 netos e 29 bisnetos, fizeram uma campanha nas redes sociais para que ela pudesse conhecer o tenor. O desejo, dessa forma, acabou se tornando de todos. “A gente fez uma campanha, e todo mundo abraçou a causa. Foi uma coisa maravilhosa, eu fiquei impressionada com a união de todos. Existe amor e solidariedade nesse mundo ainda, porque estamos tão carentes… e isso foi uma coisa fantástica”, afirma Valquiria Bicalho, outra filha que acompanhou a mãe no show.
“Eu achava que era impossível (poder realizar o encontro da mãe com Bocelli), mas aconteceu. Ele é muito legal, muito simples… a família já era apaixonada por ele. A partir de hoje, vai ser mais ainda, principalmente porque ele permitiu que trouxéssemos a mamãe aqui”, comenta Vani.
‘30 anos não são nada’
Logo após o encontro com vovó Dorita, o tenor italiano Andrea Bocelli conversou com a imprensa. Ele comemora as três décadas de carreira, em uma turnê que começa em Belo Horizonte. “30 anos não são nada em comparação com os 100 anos desta senhora”, brincou Bocelli, em italiano. “Eu estou muito feliz de estar aqui, as pessoas são muito alegres, mesmo em momentos difíceis”, disse.
“É fantástico estar aqui, sempre encontrei um público carinhoso. A música clássica amplia os horizontes, e o jovem precisa dessa música”, fala a respeito de ser um dos grandes responsáveis por levar o estilo para as grandes massas.
Pontualmente às 21h, o show teve início com o hino nacional. Na sequência, a trajetória do tenor foi exibida em dois telões para uma plateia ávida pela presença do italiano, que subiu no palco sob uma salva de palmas.
Usando um paletó dourado sobre um terno preta e portando uma gravata-borboleta, Andrea Bocelli prova que, aos 65 anos, sua voz continua como a de um jovem. Como um trovão cadenciado, a voz dele ecoou por todo o estádio, com logo com a primeira valsa “La Donna e Mobile”, certamente fazendo marejar os olhos de muitos que o acompanhavam da plateia.
Provavelmente também o de vovó Dorita, que, a esta altura, já o assistia em uma das primeiras fileiras. Nesse momento, seu sonho já estava completo. Afinal, “sonhos não envelhecem”, mesmo que eles tenham quase um século de existência.