Ela está renovada. Dança funk e se enrabichou com a inteligência artificial. Quem não acredita, prepare-se para as surpresas de Marcos Frederico, Ana Rodrigues e Vitor Velloso. Centenária, a marchinha segue lépida, esbelta e provocativa, enfeitando seus cabelos brancos com confete e serpentina, pronta para rebolar na avenida e trocar a noite pelo dia.

“Misturar sem perder a essência” parece ser a receita de “Eterno Solteirão”, composição de Ana e Frederico programada para este Carnaval – ela, fundadora do baile “Bem te Viu Bem te Vê” e do bloco “Coisas da Rita”, que, nos dias 10 e 16 de fevereiro, respectivamente, prestam homenagens a Rita Lee; e ele, figurinha carimbada da Orquestra Royal e de perfis satíricos na internet como Os Marcheiros e Trash_Era, onde uma profusão de hits que brincam, sobretudo, com a política nacional, é escoada. 

“Decidimos flertar com elementos contemporâneos, mesclando batida de funk com rock dos anos 80 e música do Pará, tipo Joelma”, elucida Frederico, em alusão à vocalista que ajudou a popularizar a Banda Calypso. A espinha dorsal da marchinha, “em seu ritmo, métrica e alegria” segue mantida. Ana conta que escreveu a letra “inspirada” pela “autoestima exacerbada dos homens mineiros, principalmente de BH”.

Segundo a compositora, a alfinetada de “Eterno Solteirão” ao machismo “ficou muito gostosa, na minha humilde opinião”. Ela enaltece a experiência do parceiro, cujo nome se tornou praticamente indissociável da folia belo-horizontina. Em 2016, Frederico venceu o Concurso de Marchinhas Mestre Jonas com “Não Enche o Saco do Chico”, parceria  com Vitor Velloso, outro cidadão honorário quando o assunto é marchinha de Carnaval. 

Humor com reflexão 

“A crítica, quando é bem-humorada, consegue ultrapassar a barreira do ódio”, ressalta Velloso, que tem se dedicado a um relacionamento sintético. Sua próxima marchinha carnavalesca está sendo feita com o uso da propalada inteligência artificial. “De vez em quando tenho que dar uma podada, porque ela sugere temas que eu não quero, mas tem sido divertido e desafiador até agora”.

Em seu currículo estão paródias que caíram na boca do povo, como “Solta o Cano”, “Pinto por Cima” e “Prefeito Libera o Cooler”, além da folclórica “Baile do Pó Royal”, de 2014, na época assinada com pseudônimos. A força da marchinha impregna a trajetória de Velloso. Com músicas gravadas por Paulinho Pedra Azul e Bárbara Barcellos, ele observa que sua canção com mais visualizações é a irônica “Bolsomico”, que, desde 2017, não para de viralizar nas redes.

“É interessante como uma música feita para um contexto específico volta a fazer sentido”, pontua Velloso, analisando a própria natureza da marchinha. Com a febre do TikTok, a duração das canções foi alterada. “As plataformas digitais são um espaço fértil para a difusão das marchinhas, mas o déficit de atenção é nítido. Uma ideia que você desenvolvia em três minutos, hoje em dia tem que ser resolvida em trinta segundos e olhe lá, as últimas são praticamente só o refrão, o que exige uma perspicácia ainda maior do compositor”.

Ana destaca o “humor ácido que, ao mesmo tempo, vai direto ao ponto” das marchinhas. Para ela, é uma maneira de “a sociedade refletir sobre determinados assuntos através da alegria”. “Eu ouço marchinhas desde criança, frequentava bailes de Carnaval perto da minha casa, ali no bairro Horto”, situa.

“Eterno Solteirão”

(Ana Rodrigues e Marcos Frederico)

Descobri a sua vocação 

Ser o eterno solteirão 

É só falar de compromisso 

Que escorrega igual sabão 

Vive dando um chá de sumiço 

Depois volta todo canastrão

E diz que não é nada disso 

Que isso é pura especulação 

A mulherada tá cansada da lorota

Do eterno solteirão

Que mais parece uma marmota 

Cheia de convicção 

Esquerdo macho, cis, hetero top

Ou desconstruidão

Sua moral vem caindo a galope

Logo logo vai beijar o chão