Música

Danilo Caymmi lança ‘Andança 5.5’ com canções que marcaram festivais

Compositor retorna a sucesso que o alçou ao estrelato na década de 1960 e regrava Milton Nascimento

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 26 de janeiro de 2024 | 06:30
 
 
 
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Danilo Caymmi não muda. A experiência acumulada em 75 anos de vida e mais de meio século de profissão não foi suficiente para que ele deixasse o susto da primeira vez que o sucesso bateu à sua porta, em 1968, quando “Andança”, parceria com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós (1945-2013) sacudiu o público do III Festival Internacional da Canção na interpretação de Beth Carvalho (1946-2019) com os Golden Boys e faturou o terceiro lugar. 

Essa estreia em grande estilo é o mote de “Andança 5.5”, álbum que chega nesta sexta (26) às plataformas digitais, cuja capa traz pintura do próprio anfitrião. “O sucesso é muito complicado na vida do artista, às vezes ainda fico um pouco assustado!”, admite Danilo, que, ao cantar “O Bem e o Mal” na trilha da minissérie “Riacho Doce”, da Rede Globo, em 1990, alcançou o que ele considera o ápice desse reconhecimento nacional. Por outro lado, ele avalia que está em seu “melhor momento como intérprete”. 

“É até uma tradição familiar, de aprofundar a interpretação, e aí ela não fica pasteurizada, ganha uma dinâmica que consegue sensibilizar as pessoas. Percebo isso tanto na Nana, que não é porque é minha irmã que digo que é uma das melhores cantoras que vi na vida, quanto na minha filha, Alice”, elogia Danilo, que exibe a “satisfação muito grande” com os retornos que recebe pelas redes sociais acerca de seu trabalho. “Minha intenção é esta: movimentar o interior das pessoas”, sublinha. 

Repertório

Foi na casa de Beth Carvalho, na rua Dias Ferreira, no Rio de Janeiro, que Danilo, Edmundo e Paulinho, então jovens com seus 20 e poucos anos, compuseram o hit que ultrapassou gerações. Na opinião de Danilo, o segredo da assimilação “avassaladora e imediata” reside no contracanto de “Andança”, que permite a interação do artista com o público. “As pessoas cantam e respondem, como duas canções que se namoram” sintetiza, pegando emprestada a definição de Tapajós, responsável pela letra. “O refrão era uma coisa muito influenciada pelo (compositor) Burt Bacharach, dependendo da divisão que você faz”, complementa. 

“Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim, e “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré, que superaram “Andança” no histórico festival de 1968, também integram o repertório do novo disco de Danilo. “Foi um ano politicamente difícil, com a instauração do AI-5 (ato institucional número cinco) no final do ano. Me lembro bem da mobilização estudantil”, recorda Danilo, que era estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. A conclusão do curso coincidiu com o estouro de “Andança”. Na época, a “orientação dos diretórios estudantis era para apoiar a música de Vandré”, em detrimento da de Chico e Tom que, ao ser anunciada vencedora pelo júri, recebeu uma sonora vaia. 

Unem-se a elas “Bom Dia”, de Nana e Gilberto Gil, inscrita no III Festival de Música Brasileira da TV Record, em 1967, “Eu e a Brisa”, de Johnny Alf, que “passou despercebida” no mesmo concurso, “Pra Dizer Adeus”, de Edu Lobo e Torquato Neto, além de “Viola Enluarada”, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, que sequer chegou a participar do ambiente de competição da ocasião. “A questão do festival é uma coincidência, são canções importantes nas quais, de alguma maneira, eu estava inserido”, observa Danilo. Em 1967, ele atuou como flautista na apresentação de “Maria, Carnaval e Cinzas”, de Roberto Carlos. 

Travessia

Danilo guarda boas lembranças desse período. “Foi quando surgiu o Tropicalismo já muito popular, teve Elis cantando ‘Arrastão’ com Edu Lobo. O fato de concorrer era uma motivação muito grande, só de estar naquele balaio a gente ficava contente. Os compositores mais importantes estavam lá: Chico, Gil, Caetano, Dori, Milton”, enumera. Finalista do certame de 1967, “Travessia”, de Milton e Fernando Brant, encerra o lançamento, e foi escolhida como single. No mesmo ano, o principal artífice do Clube da Esquina colocou na praça o seu primeiro LP. Danilo participou tocando flauta em “Catavento”, com arranjos de Luiz Beça. 

“O Milton chegou sozinho no Rio e foi acolhido pela minha família. Minha mãe, que era mineira, gostava muito dele”, conta. Ao encarar uma das canções mais emblemáticas daquele que foi descrito por Elis Regina como “a voz de Deus”, Danilo se entregou de corpo e alma ao encontro com o maestro e violonista Flávio Mendes. “Gravamos tudo junto, o que exige uma concentração e um aprofundamento que é até desgastante, física e mentalmente, mas o resultado tem sensibilizado as pessoas, e é isso que eu desejava”, orgulha-se o entrevistado. 

Apegado a esse passado de glórias, o músico confessa “certa dificuldade” quando é questionado sobre a cena contemporânea. “São bolhas, universos fechados, é difícil no mundo digital você entender o que está acontecendo. Sou privilegiado porque, graças à minha filha Alice, consigo detectar alguns movimentos interessantes. Antes desse boom das plataformas digitais e das mídias sociais, a gente escutava a música na novela ou no rádio”, conclui Danilo, que, neste janeiro de 2024, joga nas redes canções que os ouvintes sintonizaram com bastante frequência na década de 1960.

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