A cada dois ou três anos, Djavan sente um aviso, um sinal, uma necessidade extrema de reunir novas palavras e harmonias. Como se fosse forçado por um instinto criativo, Djavan precisa mostrar algo inédito, fresco. Então ele compõe e canta. O resultado desse processo permanente de inquietação artística está em “D”, álbum que chega nesta quinta-feira (11) às plataformas digitais. Este é o 25º disco da carreira do alagoano, que, em entrevista por telefone, falou sobre o que ele chama de “alerta orgânico”: “Por isso eu tenho essa regularidade de lançamentos, tenho que fazer um novo trabalho, e acaba que não é tão complicado para mim. Não é nem mérito meu, é algo do que eu não posso escapar”.
“D” sucede “Vesúvio”, de 2018. Três anos antes, teve “Vidas pra Contar”. Basta olhar para a discografia de Djavan para constatar essa regularidade à qual ele se refere. Tudo começa em 1976 com “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”, que tem na abertura o hit irresistível “Flor-de-Lis”, cujo sucesso catapultou o artista ao cenário nacional.
Djavan compôs quase todas as músicas de “D” desde junho de 2021, no Rio de Janeiro, onde vive. Meses depois, com as faixas arranjadas e gravadas, o cantor desembarcou em Alagoas, em janeiro do ano seguinte, para colocar letra no material. Ali, no verão praiano de sua terra natal, os versos nasceram e deram o tom solar e esperançoso do disco.
O ambiente, sublinha Djavan, acabou influenciando, mas ele tinha uma determinação muito clara: “Me afastar completamente do obscurantismo que estamos vivendo. Eu queria um disco luminoso, cheio de otimismo, queria mensagens que apontassem para uma esperança concreta para sairmos desse buraco e entrarmos num campo iluminado. E o lugar onde eu estava certamente contribuiu para que eu atingisse isso”.
Com título “instigante e diferente” e uma capa menos sisuda e enigmática que a de “Vesúvio”, “D” traz 12 canções, onze delas inéditas. Segunda faixa do álbum, “Num Mundo de Paz”, com seu suingue baseado no naipe de metais, foi lançada no fim de junho. No clipe, Djavan, solto, arrisca uma dança leve, descompromissada. “E que a gente volte a rir de tudo/ E que a vida seja longa e tudo/ Num mundo de paz”, ele canta em concordância com sua proposta de usar a música para nos jogar em um universo mais lúdico e positivo.
“Beleza Destruída”, que também saiu com videoclipe, foi outro single que aterrissou nas plataformas recentemente. Há um mês, a tão esperada parceria com Milton Nascimento, enfim, se concretizou. Desejo antigo de Djavan, trabalhar com sua maior influência no início da carreira, na virada dos anos 1960-1970, foi um momento especial para o cantor. A ideia era que os dois compusessem juntos, mas as agendas complicadas impossibilitaram a escritura a quatro mãos.
Assim, Djavan fez música e letra, que, em certo trecho, cita que “ver indígenas e bichos implorando para existir faz tão mal”. A questão socioambiental é algo que há tempos ocupa a obra tanto de Milton quanto de Djavan. “Ele gostou muito e veio aqui para o meu estúdio no Rio gravar. Foi uma tarde gloriosa, eu pude dizer a ele o que não tinha dito até então, sobre toda a influência dele no meu trabalho. Foi muito bonito, a gravação revela esse encontro feliz”, diz Djavan.
Entre as 12 músicas de “D”, cujos passeios encontram o jazz, o bolero, o blues e o samba nas esquinas do pop djavânico, a única já gravada é “Êh! Êh!”, feita em parceria com Zeca Pagodinho e lançada por Alcione em 2014. O violão de “Flor-de-Lis” e “Fato Consumado” está ali nessa nova versão, mas chama atenção também um verso emblemático que, embora não tenha sido escrito para a safra de “D”, encaixa-se perfeitamente no espírito do disco.
“Coração de poeta faz do amor sua meta” é um verso-síntese não só do álbum, mas da obra de Djavan. “Você quer puxar as pessoas para um lugar seguro, tirá-las do pântano, e o melhor anzol é o amor, que é instrumento de salvamento. Procuro trazer isso de maneira abundante, falo bastante disso no disco”, ele ressalta.
Não à toa, “Iluminado” encerra o álbum. Com ela, Djavan pôde realizar um sonho: gravar com sua família. Ali estão os filhos e netos músicos, desde os mais velhos e profissionais Flávia Viana (voz), João Viana (voz, cajón e percussão) e Max Viana (voz e violão) até mais novos Sofia Viana (voz e ukulelê) e Inácio Viana (voz e violão), além dos netos Thomas Boljover (voz) e Lui Viana (voz). Quando começou a escrever a letra, Djavan pensou que seria lindo se os seus se juntassem num só coro.
“Iluminado” dá os últimos acordes do 25º disco do compositor, mas parece abrir outro ciclo; fecha uma porta, mas escancara uma janela. “A gente canta em casa, mas é a primeira vez que gravo em família. Fiz questão que o disco terminasse com essa mensagem positiva para iluminar as pessoas, as mentes, para sairmos da coisa escura e voltarmos para a positividade”, pontua Djavan, que, num clima mezzo folk, mezzo hippie, embala com filhos e netos os versos dessa canção: “Vamos sorrir/ Pra não cair em cilada/ Quem não ri de nada/ Não sabe o que tem”.
'Sempre votei no Lula e vou votar de novo'
A palavra “esperança” também está presente no dia a dia de Djavan quando o assunto é política e as iminentes eleições presidenciais. Contudo, em 2018, quando a utilizou para falar sobre o Brasil, o compositor, que àquela altura “não queria dar cacetada num governo que nem tinha assumido”, diz que foi interpretado de maneira equivocada.
Há um ano, o cantor e compositor sentiu a necessidade de se manifestar nas redes sociais para tirar a pecha de bolsonarista que muitos lhe haviam posto. “Em 2018, tentaram me associar a esse governo por eu ter dito em entrevista que tinha esperança no futuro do Brasil. Eu não votei no Bolsonaro e não apoio o seu governo”, escreveu, em junho do ano passado.
Sobre o processo eleitoral que se avizinha, Djavan acha necessário se posicionar claramente: “Sou uma pessoa pública, tenho tribuna para fazê-lo e faço com gosto. O meu candidato é o mesmo. Sempre votei no Lula e vou votar de novo”.
O compositor alagoano vislumbra outro país e quer pensar no que vai acontecer. “Acho que vamos voltar a adquirir os valores que perdemos. Precisamos refundar todo um pensamento sobre sociedade, política, educação, meio ambiente e segurança pública para que o Brasil seja outro Brasil, próspero, livre e, principalmente, democrático”, afirma Djavan.