Só o fato de ser a primeira grande exposição de Gustavo e Otávio Pandolfo em Belo Horizonte já valeria uma (ou duas) visita ao Centro Cultural do Banco do Brasil para conferir “OSGEMEOS: Nossos Segredos”, aberta ao público nesta quarta-feira (22). O que se vê no CCBB, no entanto, não deve ser encarado como mais uma exposição.

É, sobretudo, uma viagem artística e conceitual a um mundo muito particular, que se revela em cores – muitas cores – alegres e vigorosas, telas, esculturas, fotografias, grafites, cadernos de anotações, desenhos, instalações, roupas e até um boneco inflável gigante, entre outros quase mil itens que ajudam a contar a vida e a obra dos irmãos paulistanos, nascidos em março de 1974. 

O que chega hoje à capital mineira é a história de como dois artistas conceberam um universo à parte, cheio de fantasia e sonho, para onde eles poderiam escapar quando quisessem e cujo espaço sem nenhuma fronteira entre o real e a ficção é o habitat de personagens aparentemente parecidos, mas incrivelmente diversos.

 

Pouco antes do início dos anos 1990, OSGEMEOS entenderam que deveriam materializar o universo que se fez sempre presente na vida deles desde crianças. Quando eles tinham 5 anos, contavam histórias para a mãe de como era tudo antes de nascerem e o porquê de serem gêmeos.

Durante quatro anos, entre o apagar da década de 1980 e o nascimento do decenário seguinte, eles se reuniram, dia e noite, para desenhar e dar vida a esse metamundo e abrir uma espécie de portal, como eles dizem. “OSGEMEOS: Nossos Segredos” traz o universo de Otávio e Gustavo, chamado Tritrez, a BH. Na sala de mesmo nome, há uma seleção das primeiras ilustrações desse universo, do esboço dos personagens e de como tudo foi construído.

Tritrez é a realidade que os artistas escolheram para si, numa clara intenção de se desconectar do espaço chamado de “real” e se conectar com um mundo interno – as telas expostas no CCBB são janelas para esse mundo.

Tritrez são três vidas: o antes, o agora e o depois, o que virá. O que eles vivem hoje é ligação de onde eles vieram e para onde eles vão. “Porque nós somos gêmeos, fazemos as mesmas coisas, temos o mesmo estilo? Qual é a nossa missão? O que a gente se lembra de antes de nascer? Essa sala é muito especial, importante, mostra quem nós somos, o que fazemos e para onde vamos”, comenta Gustavo.

Otávio emenda: “A gente quer revelar isso. Quando as pessoas veem nosso trabalho tão complexo e cheio de coisas, às vezes não entendem o que quer dizer, o que tem por trás disso. Nós enxergamos nosso universo vivo. Tudo que as pessoas vão ver aqui para nós está em movimento, está acontecendo. É como se fosse um desenho animado que você pausou”.

“OSGEMEOS: Nossos Segredos” ocupa todo o terceiro andar do CCBB. Uma das salas, intitulada “Retrospectiva”, faz um apanhado da vida e da obra da dupla desde a infância. Há desenhos de quando Gustavo e Otávio tinham 10 anos até produções atuais. A aproximação com o mundo hip-hop, expressão sem a qual OSGEMEOS não seriam quem são, acontece nos anos 1980, e outro espaço da exposição, onde estão esculturas de personagens como “B-girl” e “Boombox”, mergulha fundo na relação dos artistas com a cultura cuja estética é decisiva no desenvolvimento criativo da dupla.

“Era 1984. Demos sorte de crescer em um bairro chamado Cambuci, um dos pontos da cultura hip-hop em São Paulo. Convivemos com a galera, aprendemos a dançar com eles. Ficávamos muito na rua, inventávamos jogos com brinquedos, rolimã. Nós nos identificamos muito com a parte do grafite. Até cantar rap a gente cantou”, relembra Otávio.

A sala também revela o diálogo dos artistas e daquela cena com o rap de Belo Horizonte, por meio de figuras como Roger Dee e Eduardo Sô. Em 1987, Otávio e Gustavo viram quando a dupla colocou os pés na capital paulistana. “Demos a sorte de estar lá. Essa conexão com BH surge nessa época, somos amigos deles até hoje. Tem umas fotos dessa galera na sala, queríamos homenageá-los”, ele completa.

A exposição joga luz no ecletismo das influências de OSGEMEOS. A série de TV japonesa “Ultraman”, as animações de “The Wall”, do Pink Floyd, filmes sobre o break, a ligação com a música erudita deixada pelo avô lituano e a paixão do irmão mais velho, Arnaldo, também desenhista, pelo rock ‘n’ roll foram deixando suas marcas definitivas.

Noutra sala, destaque para duas obras dos brasileiros em parceria com Banksy, algo raro tratando-se do celebrado artista britânico e que mostra o prestígio dos paulistanos. No pátio interno do CCBB, a obra “Gigante” se impõe. A escultura, um enorme e imponente boneco inflável, foi adaptada especialmente para BH. Aos pés do personagem, uma instalação interativa, “Templo”, ocupa uma casa colorida.

“OSGEMEOS: Nossos Segredos”, que passou recentemente pelo Rio de Janeiro, onde atraiu mais de 800 mil visitantes, e é uma versão ampliada de “OSGEMEOS: Segredos”, apresentada na Pinacoteca de São Paulo e no MON de Curitiba (PR), entre 2020 e 2022, também ressalta a procura obstinada pela originalidade do traço, pelo reconhecimento da importância da caligrafia e do estudo de técnicas e suportes artísticos. Nada é por acaso no trabalho de OSGEMEOS.  

Ineditismo em BH

Em relação à exposição apresentada no Rio de Janeiro, de outubro de 2022 a janeiro deste ano, a mostra que os visitantes verão no CCBB traz uma novidade. No térreo do CCBB, duas salas foram preparadas para receber “Assim Bordei Meus Sonhos”, espaço dedicado para as criações de dona Margarida Leda Kanciukaitis Pandolfo, mãe da dupla. São dezenas de bordados e pinturas em que ela refaz memórias de maneira lúdica e reflexiva.

Por fim, “OSGEMEOS: Nossos Segredos” em BH ganhou duas telas inéditas dos artistas. Elas podem ser vistas no terceiro andar do centro cultural. “Trabalhamos muito com o improviso. Tem muita coisa que fizemos de última hora aqui”, diz Gustavo.

Pelos próximos três meses, o CCBB guardará parte do universo de OSGEMEOS, cujos traços incipientes nos levam ao quarto de uma casa no bairro paulistano do Cambuci, de onde Otávio e Gustavo começaram a desenhar um mundo infinito.

Programe-se

A exposição “OSGEMEOS: Nossos Segredos” será aberta nesta quarta (22), às 12h, no CCBB-BH (praça da Liberdade, 450, Funcionários). A entrada é gratuita, e o público pode conferir a mostra até 22 de maio – de quarta a segunda, das 10h às 22h. Ingressos estão disponíveis no site bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB.