CINEMA

Filme sobre Clube da Esquina destaca o prazer da descoberta infantil

Documentário dirigido por Ana Rieper, 'Nada Será Como Antes' estreia nesta quinta-feira

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 27 de março de 2024 | 10:39
 
 
 
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O Clube da Esquina não teria surgido sem a curiosidade de um menino de dez anos  que tinha liberdade para andar pelas ruas do Centro de Belo Horizonte. Eram outros tempos. Nessa chave saudosista e pueril que "Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina" tem início, um título bastante apropriado para um documentário que não pretende apenas falar da história de um dos principais movimentos musicais do país, surgido no final da década de 70.

Em cartaz a partir desta quinta-feira nos cinemas, o filme dirigido por Ana Rieper materializa um sentimento mágico sobre um garoto - Lô Borges - que, num espaço de duas semanas, teria dois encontros que mudariam a sua vida para sempre. Um, com Milton Nascimento, enquanto descia as escadas do prédio onde morava, encantado pela voz do futuro amigo. Outro, nas imediações de sua casa, com Beto Guedes, a quem propôs fazer uma troca ao ver o desconhecido sobre uma patinete.

São dois elementos muito presentes no documentário: o prazer da descoberta infantil, sem qualquer maldade à espreita, e a permuta - musical e afetuosa principalmente, estampada posteriormente na maneira fraterna como conceberam o álbum do movimento. A imagem de um menino se encontrando com um adulto que nunca tinha visto antes ganha um aspecto lúdico na narração de Lô, como se a mão do destino agisse naqueles momentos.

De fato, o Clube da Esquina não teria existido se não fosse a necessidade de uma reforma urgente na casa dos Borges, que os levou do Santa Tereza para a região central. Ana Rieper traça uma continuidade entre esses dois lugares, hoje tão distantes do ponto de vista socioeconômico e cultural. O clube é feito desses acasos, de escadas e esquinas que levam a uma inevitável junção artística. As melhores cenas do filme são feitas desses encontros, como os irmãos Borges tocando na sala de casa.

Frutos de uma geração ou não, todos aqueles que vão surgindo e se juntando ao Clube parecem especiais, conectados a um ideal que vai além da musicalidade. Havia ali uma certa docilidade que, na visão de Rieper, parece representar uma essência mineira, marcada pelo aspecto familiar. O filme, por sinal, abre com um depoimento de Milton sintetizando o Clube como "a casa de Salomão Borges - pai e mãe, 11 filhos, dez agregados e todos músicos".

Assim, para além das influências de Beatles e do jazz, o movimento tem um significado mais humano e moral, evidenciado no depoimento de Márcio Borges, letrista de "Clube da Esquina", que buscou mostrar um rito de passagem de garotos para homens - mas sem perder os seus valores. Essa permanência, 50 anos depois, é que possibilita o filme resgatar, entre os seus fundadores, uma rica história sobre pessoas que se gostam independentemente de política, raça ou origens.

Tudo mais que surge no caminho deles só parece reforçar esse elo. No caso do cinema, que tem papel fundamental na música do Clube, um filme como "Jules e Jim" ajudou a solidificar a amizade de Márcio e Bituca. Seria uma relação apenas masculina, um Clube do Bolinha? "Nada Será Como Antes" não entra nessa discussão, mas a participação de Duca Leal só reforça isso, como musa inspiradora de "Um Girassol que tem a cor de seus cabelos" e "Vento de Maio".

Ana Rieper respeita, como nas famílias, uma hierarquia, começando por Milton, passando por Lô e seus irmãos e depois por Beto. Próximo da metade é que entram outros nomes, como Nivaldo Ornelas, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Toninho Horta, que detêm nas influências e formas de composição. Eles ilustram que, apesar de toda a diversidade, havia uma unidade, exemplificada por Ronaldo Bastos, quando lembra que, ao fim de um dia de gravação, todos se reuniam para dançar.

O documentário não poderia deixar de encerrar da forma mais mineira, num trem e na mesa de um bar, com Murilo Antunes falando de como cada um ajudava a compor as músicas de forma espontânea e coletiva. Essa interação é o que marca o Clube da Esquina. Na última sequência, Lô reconta o seu encontro com um "neguinho jovem e magrinho", com quem ficou conversando por um longo tempo. É como reforçar a necessidade de sempre estarmos voltando ao ponto de partida para poder continuar.

 

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