"É importante viver a experiência da nossa própria circulação pelo mundo, não como uma metáfora, mas como fricção, poder contar uns com os outros", escreve o líder indígena Ailton Krenak no livro "Ideias para Adiar o Fim do Mundo" (Companhia das Letras, 2019).
A percepção de que o contato entre corpos poderia gerar uma energia coletivista, a que Krenak se refere no trecho, encontraram eco entre mais de 300 fotógrafos mineiros que, juntos, lançam uma iniciativa solidária a partir do trabalho deles próprios e que tem objetivo de ajudar entidades e grupos sociais impactados pela pandemia da Covid-19.
Cada participante do Fotografias por Minas, como o projeto foi batizado, disponibiliza uma imagem de sua autoria, que pode ser adquirida pelo público. O valor cobrado pelas peças é de R$ 150 e será destinado a cinco instituições presentes no Estado. O objetivo é, com a plataforma, arrecadar um montante de R$ 60 mil e, quando o valor for arrecadado, há a possibilidade de que uma segunda chamada seja aberta.
Inaugurada nesta noite dessa quinta-feira (21), a iniciativa fica no ar até 12 de junho. Entre os cerca de 320 participantes, estão profissionais de renome como: Eustáquio Neves, Márcia Charnizon, Pedro David, João Castilho, Gustavo Lacerda, Kika Antunes, Isis Medeiros, Daniela Paoliello, entre outros.
Inspiração
Em comum, todas as imagens, a partir de múltiplos olhares, compartilham de um mesmo tema: o ato de imaginar um novo mundo. A escolha faz referência ao livro de Krenak.
"Mesmo a forma como essa campanha foi criada reflete esse imaginário", assegura Márcia Charnizon, explicando que todo o processo foi horizontalizado. "Ninguém é mais importante dentro dessa construção. Essa verticalização, em que um tem mais valor que o outro, pode existir no mercado, mas, na nossa organização, não", cita.
Mesmo que individualmente, cada um em sua casa, é, paradoxalmente, "a partir do coletivo, em toda sua diversidade, que vamos começar a mudar alguma coisa. Se a gente não se reunir, se a gente não fizer ações, nada será construído", argumenta. Para ela, a ação é também um ato político.
Márcia cita que a ideia surgiu a partir de conversas em um grupo de profissionais, o Fotógrafos pela Democracia, criado durante as eleições de 2018 e que permanece ativo nas redes sociais. Inspirados por ações que aconteceram em outros lugares, como em São Paulo e em Bérgamo, na Itália, a campanha mineira já se tornou a maior do gênero realizada no país.
Fotógrafos de O TEMPO participam do projeto
"Em momentos tão complicados com o atual, é um respiro saber que a generosidade, a união de esforços e a solidariedade ainda têm voz. Estar entre tantos olhares sensíveis e poéticos com o objetivo de ajudar instituições carentes é um privilégio e uma honra", aponta Mariela Guimarães que, assim como Daniel de Cerqueira e João Godinho, está entre os profissionais de O TEMPO presentes no projeto.
"Acredito que toda forma de ação social sempre, mas principalmente nesse momento, deve estar conectada em ajudar o próximo. Arte e solidariedade andam juntas, e cabe a nós fazer a nossa parte para que consigamos contornar esse período que estamos vivendo", prossegue a fotógrafa.
"Como os povos originários do Brasil lidaram com a colonização, que queria acabar com o seu mundo? Quais estratégias esses povos utilizaram para cruzar esse pesadelo e chegar ao século XXI ainda esperneando, reivindicando e desafinando o coro dos contentes? Vi as diferentes manobras que os nossos antepassados fizeram e me alimentei delas, da criatividade e da poesia que inspirou a resistência desse povos", anota o líder indígena em outro trecho da publicação, que ecoa entre os participantes do Fotografias por Minas.
Logística
As cópias das fotografias serão ilimitadas, pelo tempo que durar a iniciativa. As doações poderão ser feitas no site www.fotografiasporminas.com.br. As imagens serão impressas em papel Hahnemuhle Photo Rag 188 gr, em Pigmento Lucia EX Pro, no formato 20x30cm, realizadas pela Artmosphere.
O pagamento será feito por meio de boleto bancário, cartão de crédito ou Mercado Pago. As fotografias serão impressas, a partir de outubro, e enviadas pelos Correios.
O valor arrecadado, depois de serem descontados custos de impressão e logística, será destinado a projetos sociais mineiros que necessitam de auxílio imediato por causa da pandemia.
O montante será revertido e distribuído na compra de alimentos, medicamentos, materiais de proteção e higiene ou outros itens de necessidade indicados pelas entidades.
Conheça as entidades que serão beneficiadas pelo projeto
- Comunidades tradicionais Geraizeiras: Um total de 73 comunidades compõem os três Núcleos do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas: Núcleo de Josenópolis, Núcleo de Lamarão e Núcleo do Tinguí. As comunidades se auto definem pelo modo de vida tradicional e pela ocupação para uso comum das áreas mais altas, conhecidas como Gerais, normalmente composta da vegetação do cerrado. As comunidades fazem uso de estratégias produtivas diversificadas, como a solta do gado e a coleta de frutos diversos e de plantas medicinais, para garantir o sustento e a reprodução social.
- Comunidade Quilombola do Ausente: Localizada no município do Serro, no Vale de Jequitinhonha, a agricultura é a principal fonte de renda familiar. O envolvimento no projeto Flor e Ser: Permaculturando corações e mentes, tornou possível escoamento das produções, por meio das entregas dos produtos para comunidades de Milho Verde, São Gonçalo e Diamantina. Com a pandemia, a circulação ficou precária e o isolamento foi necessário para preservar a saúde das 200 pessoas, que estão necessitando de apoio.
- LarNaLuz - Creche Bom Pastor: Instituição filantrópica de utilidade pública, sem fins lucrativos, destinada ao amparo a 50 pessoas carentes, entre 21 e 67 anos, com alguma deficiência física e/ou mental em grau profundo. A entidade realiza diariamente atividades com profissionais de educação física, fisioterapia e terapia ocupacional. Promove também acompanhamento com dentista, massoterapeuta, psicóloga, assistência social, neurologista e equipe de enfermagem. Os internos recebem refeições diárias e balanceadas, acompanhadas por nutricionista. São realizados ainda círculos de música, três vezes por semana.
- Lar dos Idosos Sagrada Família: Instituição filantrópica, sem fins lucrativos, localizada no município de Bonfim, que acolhe pessoas acima de 60 anos, dando assistência, acompanhamento médico e social. A entidade atende atualmente 37 idosos, sendo 23 mulheres e 14 homens. Tem capacidade de acolher 40 pessoas e conta com 15 funcionários. É mantida com o benefício dos próprios instituídos, da Sociedade de São Vicente de Paulo e doações da comunidade.
- Associação de Proteção Animal Amigo Sem Dono: Há três anos, atua pela causa animal em Ribeirão das Neves. Os recursos da entidade são provenientes de pequenas doações de pessoas física, de rifas e eventos, inviabilizados por causa da pandemia. A Associação resgata animais em situação de perigo, trata e prepara para adoção; ajuda tutores carentes com doações de alimento e medicamentos; realiza campanha educativas, sobre as principais doenças dos pets e adoção responsável; denuncia maus tratos contra animais e assegura alimento aos animais de rua.