A cerimônia do Globo de Ouro deste 2023, que acontece nesta terça-feira (10) tem um quê de definitiva, ainda que, apesar dos aparentes esforços, pouca coisa tenha mudado efetivamente na premiação. Em linhas gerais, é essa a avaliação de críticos, realizadores e pesquisadores de cinema ouvidos por O TEMPO sobre as expectativas quanto à edição que, além de celebrar os 80 anos do evento, marca também a sua maior tentativa de reestruturação após a mais acentuada crise de credibilidade já vivida pela Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês) — entidade organizadora do concurso focado na excelência em cinema e televisão, contemplando também produções para o streaming.
Nos últimos anos, a cerimônia sofreu uma série de críticas públicas e boicotes de artistas e de órgãos de imprensa após diversos escândalos virem à tona. Em 2017, por exemplo, veio a público um documento apontando que a indicação e a vitória de um filme às categorias principais poderiam render de U$ 20 mil a U$ 30 mil em bônus aos membros do HFPA. Também pesaram contra a instituição acusações de que os membros favoreciam estúdios e streamings em troca de benefícios. Foi o caso das indicações da série “Emily em Paris” a duas categorias da premiação, que ocorreram à revelia das tantas críticas da imprensa por sua representação estereotipada sobre a cultura francesa. Contra os associados da entidade organizadora, pesaram críticas por terem cedido ao convite da Netflix para acompanhar o fim das gravações diretamente da França, com direito a hospedagem luxuosa. Por outro lado, após um histórico de produções feitas ou estreladas por negros serem esnobadas pela HFPA, o fato de a aclamada série “I May Destroy You” ter ficado fora da lista de indicados gerou revolta, sobretudo, depois que uma matéria do jornal Los Angeles Times revelou que não existiam pessoas negras entre os membros da associação.
A reboque dos escândalos, vieram as reações. No ano passado, a NBC, emissora de televisão dos Estados Unidos que exibia a cerimônia, deixou de realizar a transmissão. Além disso, celebridades e grandes estúdios buscaram descolar a própria imagem do evento, seja anunciando boicote ou simplesmente ignorando a premiação.
Agora, o Globo de Ouro, que volta a ser exibido nos EUA, mas que não será exibido no Brasil (apenas o tapete vermelho, no canal E!, a partir das 20h) , parece tentar se reerguer e buscar a redenção. Para tanto, a HFPA passou por uma reformulação, renovando os membros do comitê, ampliando o número de votantes e realizando reformas para desestimular comportamentos antiéticos. Segundo a própria associação, o novo corpo de votação é 52% feminino, 19,5% latino, 12,5% asiático, 10% negro e 10% do oriente médio.
Todo esse contexto faz com que o Globo de Ouro tenha pela frente o que pode ser apenas a primeira fase de uma prova de fogo. “O que a gente viu, principalmente nos últimos dois anos, foi um esvaziamento da premiação devido a todas essas questões que obrigaram a HFPA a fazer esforços no sentido de recuperar a sua reputação”, avalia o jornalista e crítico de cinema Renato Silveira. Para ele, pelo menos quanto à reestruturação do comitê votante, as sinalizações são positivas.
“Estamos presenciando um movimento que visa o aumento do número de membros e a promoção de mais diversidade na instituição. Além disso, pessoas de fora da associação, que cobrem cinema em todo o mundo, também foram chamadas para compor um grupo maior de votantes”, examina. “É um divisor de águas, pois, se antes só tinha voz uma panelinha, formada pela imprensa estrangeira atuante em Hollywood, agora temos um grupo mais amplo e diverso, o que torna a premiação mais confiável”, resume.
Deslizes
Silveira acredita que a tempestade colhida pela HFPA foi provocada por deslizes da própria entidade, que, por anos, resistiu a se atualizar. “Enquanto o Oscar, que também tem questões a corrigir, vem, mesmo que lentamente, fazendo mudanças a cada nova edição, o Globo de Ouro ficou parado no tempo e foi vítima dos próprios problemas associados a essa imobilidade. Agora, com medo de perder tudo o que conquistaram e serem legados à irrelevância, os associados precisaram se mexer”, opina. Por essa razão, ele acredita que, pouco a pouco, os resultados de um e do outro vem divergindo mais e mais nos últimos anos.
“Há 20 ou 30 anos, o Globo de Ouro gozava de mais relevância. Tanto que, apesar de os votantes não serem os mesmos, ele era considerado uma espécie de termômetro do Oscar”, considera o crítico. “Mas, foram feitas alterações nas datas de votação e a premiação passou a acontecer depois que os votos do Oscar já haviam sido enviados, reduzindo esse poder de influência. E, claro, a falta de atualização da HFPA também potencializou essa desconexão entre as duas premiações”, acrescenta, lembrando que contradições nos critérios de indicação, com filmes de dramas indicados como comédias, por exemplo, e a falta de representatividade só pioraram todo esse cenário. “Torço que as mudanças tragam resultados, mas sei que essas coisas ainda levam tempo para serem ajustadas”, admite Silveira.
E, de fato, os resultados dessa recente reforma ainda aparecem muito timidamente na atual edição. “Olhando o que está indicado, não vemos muita diferença com o que tínhamos em edições anteriores”, aponta o crítico e professor de cinema José Ricardo da Costa Miranda Júnior. “Em geral, a diversidade não está muito visível na lista atual”, complementa, assinalando que os frutos dessas transformações talvez possam ser percebidos nos bastidores e na mecânica dos votos, mas que, para o grande público, só devem ser mais notáveis a médio prazo.
Opinião semelhante tem a diretora de televisão e professora de cinema Marcela Amaral. “As indicações do Globo de Ouro sempre tiveram problema e, sinceramente, neste ano eu não esperaria por muitas novidades, tanto que, na relação de concorrentes, elas já não aparecem”, examina. “Aliás, mesmo que essas mudanças vinguem, precisamos nos lembrar de que estamos falando de um prêmio norte-americano, que não fugirá muito dos moldes tradicionais, daquilo que já conhecemos”, assevera.
“A verdade é que, por mais que se transformem, essas premiações, especialmente baseadas em filmes dos Estados Unidos, olham para sempre para o próprio universo, de forma que os títulos que conferem, como o de ‘melhor filme’, por exemplo, soam estranhos, pois, nesses eventos, se desconsidera uma série de produções de outras matizes e perspectivas do fazer cinematográfico. Algo diferente do que vemos em Veneza e Cannes, para ficar em dois exemplos de festivais mais abertos a outras formas e formatos do audiovisual”, acrescenta Miranda Júnior.
Feitas as ponderações, Marcela reconhece que as grandes premiações de cinema têm, evidentemente, o seu valor. “Historicamente, tem toda uma importância de construção da história desse cinema clássico narrativo, principalmente pensando do ponto de vista mercadológico, pois, ao serem indicados, essas produções tendem a ficar mais no radar do grande público, sendo mais vistas”, admite.
No mesmo sentido, Miranda Júnior lembra que esses eventos têm seu charme e seu lugar. “É um fenômeno de massas que se construiu, deixando como legado a possibilidade das pessoas, globalmente, se conectarem em torno do cinema, torcendo, vibrando, se frustrando...”, diz. Para ele, um acontecimento que seria melhor aproveitado a seleção de títulos privilegiasse uma gama maior de perspectivas de cinema. “Infelizmente, somente filmes mais comerciais, com formato muito tradicional, são visados e legitimados por esses festivais, reduzindo o cinema a uma fração muito pequena do que ele de fato é”, conclui.
Veja lista de indicados ao Globo de Ouro
MELHOR FILME - DRAMA
Avatar: O Caminho da Água
Elvis
Os Fabelmans
TÁR
Top Gun: Maverick
MELHOR FILME - COMÉDIA/MUSICAL
Babilônia
Os Banshees de Inisherin
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Glass Onion: Um Mistério Knives Out
Triangle Of Sadness
MELHOR ANIMAÇÃO
Red: Crescer é uma Fera
Pinóquio de Guillermo Del Toro
Gato de Botas 2: O Último Pedido
Inu-Oh
Marcel: The Shell With Shoes On
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Nada de Novo no Front
Argentina, 1985
Close
Decisão de Partir
RRR: Revolta, Rebelião, Revolução
MELHOR DIREÇÃO
James Cameron, Avatar: O Caminho da Água
Daniel Kwan e Daniel Schienert, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Baz Luhrmann, Elvis
Martin McDonagh, Os Banshees de Inisherin
Steven Spielberg, Os Fabelmans
MELHOR ATRIZ - DRAMA
Cate Blanchett, TÁR
Olivia Colman, Império da Luz
Viola Davis, A Mulher Rei
Ana de Armas, Blonde
Michelle Williams, Os Fabelmans
MELHOR ATOR - DRAMA
Austin Butler, Elvis
Brendan Fraser, The Whale
Hugh Jackman, The Son
Bill Nighy, Living
Jeremy Pope, The Inspection
MELHOR ATRIZ - COMÉDIA/MUSICAL
Lesley Manville, Srta. Harris Vai a Paris
Margot Robbie, Babilônia
Anya Taylor-Joy, O Menu
Emma Thompson, Boa Sorte Leo Grande
Michelle Yeoh, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
MELHOR ATOR - COMÉDIA/MUSICAL
Diego Calva, Babilônia
Daniel Craig, Glass Onion: Um Mistério Knives Out
Adam Driver, Ruído Branco
Colin Farrell, Os Banshees de Inisherin
Ralph Fiennes, O Menu
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Angela Bassett, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
Kerry Condon, Os Banshees de Inisherin
Jamie Lee Curtis, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Dolly de Leon, Triangle Of Sadness
Carey Mulligan, Ela Disse
MELHOR ATOR COADJUVANTE
Brendan Gleeson, Os Banshees de Inisherin
Barry Keoghan, Os Banshees de Inisherin
Brad Pitt, Babilônia
Ke Huy Quan, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Eddie Redmayne, O Enfermeiro da Noite
MELHOR TRILHA SONORA
Alexandre Desplat, Pinóquio de Guillermo del Toro
Hildur Guðnadóttir, Women Talking
Justin Hurwitz, Babilônia
John Williams, Os Fabelmans
Carter Burwell, Os Banshees de Inisherin
MELHOR MÚSICA ORIGINAL
"Carolina" - O Lugar Onde Tudo Termina
"Ciao Papa" - Pinocchio por Guillermo del Toro
"Hold My Hand" - Top Gun: Maverick
"Lift Me Up" - Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
"Naatu Naatu" - RRR: Revolta, Rebelião, Revolução
MELHOR ROTEIRO
Todd Field, Tár
Tony Kushner & Steven Spielberg, Os Fabelmans
Daniel Kwan, Daniel Scheinert, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
Martin McDonagh, Os Banshees de Inisherin
Sarah Polley, Women Talking
SÉRIES
MELHOR SÉRIE - DRAMA
Better Call Saul
The Crown
A Casa do Dragão
Ozark
Ruptura
MELHOR ATRIZ - DRAMA
Emma D'Arcy, A Casa do Dragão
Laura Linney, Ozark
Imelda Staunton, The Crown
Hillary Swank, Alaska Daily
Zendaya, Euphoria
MELHOR ATOR - DRAMA
Jeff Bridgers, The Old Man
Kevin Costner, Yellowston
Diego Luna, Andor
Bob Odenkirk, Better Call Saul
Adam Scott, Ruptura
MELHOR SÉRIE - COMÉDIA/MUSICAL
Abbott Elementary
O Urso
Hacks
Only Murders in the Building
Wandinha
MELHOR ATRIZ - COMÉDIA/MUSICAL
Quinta Brunson, Abbott Elementary
Kaley Cuoco, The Flight Attendant
Selena Gomez, Only Murders in the Building
Jenna Ortega, Wandinha
Jean Smart, Hacks
MELHOR ATOR - COMÉDIA/MUSICAL
Donald Glover, Atlanta
Bill Hader, Barry
Steve Martin, Only Murders in the Building
Martin Short, Only Murders in the Building
Jeremy Allen White, O Urso
MELHOR MINISSÉRIE, ANTOLOGIA OU TELEFILME
Black Bird
Dahmer: Um Canibal Americano
The Dropout
The White Lotus
Pam & Tommy
MELHOR ATRIZ - MINISSÉRIE, ANTOLOGIA OU TELEFILME
Jessica Chastain, George and Tammy
Julia Garner, Inventando Anna
Lily James, Pam & Tommy
Julia Roberts, Gaslit
Amanda Seyfried, The Dropout
MELHOR ATOR - MINISSÉRIE, ANTOLOGIA OU TELEFILME
Taron Egerton, Black Bird
Colin Firth, The Staircase
Andrew Garfield, Em Nome do Céu
Evan Peters, Dahmer
Sebastian Stan, Pam & Tommy
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Elizabeth Debicki, The Crown
Hannah Einbinder, Hacks
Julia Garner, Ozark
Janelle James, Abbott Elementary
Sheryl Lee Ralph, Abbott Elementary
MELHOR ATOR COADJUVANTE
John Lithgow, The Old Man
Jonathan Pryce, The Crown
John Turturro, Ruptura
Tyler James Williams, Abbott Elementary
Henry Winkler, Barry
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE - MINISSÉRIE, ANTOLOGIA OU TELEFILME
Jennifer Coolidge, The White Lotus
Claire Danes, Fleishman Is in Trouble
Daisy Edgar-Jones, Em Nome do Céu
Niecy Nash-Betts, Dahmer
Aubrey Plaza, The White Lotus
MELHOR ATOR COADJUVANTE - MINISSÉRIE, ANTOLOGIA OU TELEFILME
F. Murray Abraham, The White Lotus
Domhnall Gleeson, The Patient
Paul Walter Hauser, Black Bird
Richard Jenkins, Dahmer
Seth Rogen, Pam & Tommy