Música

Há 40 anos, Raul Seixas se inspirou no anarquismo e fez sucesso com as crianças

Composta para o especial de TV 'Plunct, Plact, Zuuum', 'Carimbador Maluco' dialoga com texto de Proudhon para criticar a burocracia do Estado de forma ácida e divertida

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 11 de setembro de 2023 | 13:06
 
 
 
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Raul Seixas já era Raul, Maluco Beleza, metamorfose ambulante, ideólogo da Sociedade Alternativa e mosca na sopa – e havia sido Raulzito com seus Panteras também –, mas, no início dos anos 1980, estava em baixa no mercado fonográfico devido às internações por abuso de álcool e à fama de artista de difícil trato. Em 1983, sem lançar um álbum há três anos – “Abre-te Sésamo” saiu em 1980 e, no ano seguinte, Raul foi dispensado da gravadora CBS – o baiano havia acabado de se mudar para São Paulo na tentativa de dar novos ares à carreira, cujo auge artístico e comercial se dera entre 1973 e 1977.

Na capital paulista, casado com Kika Seixas e pai da bebê Vivian, Raul lutava contra uma pancreatite ao mesmo tempo em que sofria com o que considerava ser o esquecimento de sua figura por parte do mercado, mas acabou conseguindo, com grande ajuda de Kika, um contrato com a gravadora Eldorado.

“Raul Seixas” foi lançado em abril de 1983, sendo bem recebido pela crítica. Há bons rocks ali, coisa que Raul sempre soube fazer – “D.D.I. (Discagem Direta Interestelar)”, “Não Fosse o Cabral” (versão para “Slippin’ and Slidin”), “Babilina” (releitura raulseixista de “Bop-a-Lena”) e a cover “So Glad You’re Mine”, que fecha o disco, numa versão ao vivo; há um dueto com Wanderléa no forró “Quero Mais” e “Capim Guiné”, que acabou se tornando um clássico no cancioneiro raulseixista. O maior sucesso de “Raul Seixas”, porém, chegou depois e não foi planejado para entrar no álbum, tanto que a primeira prensagem de “Raul Seixas” não o incluía.

Carimbador doidão

Uma voz metálica de Raul faz a contagem regressiva para o início da aventura: “Cinco, quatro, três, dois…”. Em seguida, o cantor prossegue com sua divertida encenação: “Parem, esperem aí. Onde é que vocês pensam que vão?”. Assim começa “Carimbador Maluco” , hit que impulsiona as vendas de “Raul Seixas”, dá ao artista um novo ânimo e seu segundo disco de ouro – em 1984, Raul adicionaria “Metrô Linha 743” à sua discografia, que teria ainda “Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!” (1987), “A Pedra do Gênesis” (1988) e “Panela do Diabo”, lançado em agosto de 1989, dias antes da morte de Raulzito.

Mas voltemos à 1983… Libertário, avesso a qualquer tipo de repressã, censura e vigilância e crítico ferrenho de regimes autoritários, Raul Seixas foi buscar inspiração nos escritos do filósofo e ideólogo anarquista francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) para criar “Carimbador Maluco” e se voltar contra as burocracias do Estado e as fronteiras impostas para impedir a livre circulação do ser humano pelo mundo. Mestre em tornar popular o que aparentemente não pode ser, Raul era um compositor habilidoso e cheio de truques.

“Plunct Plact Zum/ Não vai a lugar nenhum/ Tem que ser selado, registrado, carimbado/ Avaliado, rotulado se quiser voar/ Pra Lua a taxa é alta/ Pro Sol identidade/Mas já pro seu foguete viajar pelo universo/ É preciso meu carimbo dando o sim/ Sim, sim, sim!”, canta o baiano. Por sua vez, Proudhon diz em seu texto que “ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, identificado, doutrinado, aconselhado, controlado, avaliado, censurado, reformado, tarifado, selado, mandado…”.

“Carimbador Maluco” foi um estouro imediato e caiu nas graças da criançada. A canção, lançada pela gravadora inicialmente como compacto, fazia parte do especial infantil “Plunct, Plact, Zuuum”, da TV Globo, exibido em junho de 1983. O sucesso foi enorme. A Eldorado entendeu o fenômeno e mandou produzir uma nova versão de “Raul Seixas” com a faixa, a sétima do disco.  A biografia “Raul Seixas – Não Diga Que a Canção Está Perdida” (Editora Todavia), escrita pelo jornalista Jotabê Medeiros, conta um pouco dessa história.

“O inesperado sucesso da música de Raul era enriquecido por um videoclipe de maluco sob controle, Raul de capacete laranja com hélice, capa e gravata, um agente de alfândega dos voos da imaginação alheios, que invadia um dos programas de maior audiência da Rede Globo. ‘As crianças não podem me ver na rua que já gritam: olha ali o carimbador doidão!’”, escreve Medeiros na página 269.

O especial “Plunct, Plact, Zuuum” virou disco homônimo, projeto capitaneado pela Som Livre, com “Carimbador Maluco” abrindo o álbum. Muita gente boa fez companhia à Raul no LP, que reunia 10 faixas: Maria Bethânia (“Brincar de Viver”), Eduardo Dussek (“Um Mais Um É Bom Demais”), Fafá de Belém (“Sereia”), Zé Rodrix (“Ilha da Higiene”) e Gang 90 & Absurdetes (“Será Que o King-Kong É Macaca?”). “Plunct...” pode ser encontrado nas plataformas digitais ou sendo vendido em formato vinil na internet.

Escute o disco “Raul Seixas”:

Escute o disco “Plunct, Plact, Zuuum”:

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