Gênio atemporal

Jimi Hendrix, ícone da guitarra, completaria 80 anos neste domingo (27)

Mais de cinco décadas após sua morte, guitarrista segue absoluto como o maior de todos os tempos e sua influência ainda repercute entre diferentes gerações de artistas

Por Alex Ferreira | @alexnycman
Publicado em 27 de novembro de 2022 | 05:00
 
 
 
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No dia 23 de setembro de 1966, um jovem guitarrista de 24 anos pede emprestado 40 dólares a um amigo para comprar uma passagem aérea de Nova York para Londres sem retorno previsto. Sete horas depois ele desembarca de um avião da Pan Am na capital da Inglaterra sem dinheiro no bolso e nenhum conhecido à vista.

Sedento por uma oportunidade de se firmar na efervescente cena musical da Swinging London, o rapaz trabalha duro para montar uma agenda fixa de shows em bares importantes, e em pouco tempo convence Chas Chandler, ex-baixista da banda The Animals, a tornar-se seu empresário.

E é justamente através de Chandler que ele consegue um feito admirável: a chance de tocar com o supergrupo Cream, que tinha em sua formação ninguém menos que Eric Clapton, conhecido nas ruas londrinas como o "Deus" da guitarra.

De acordo com relatos daquela noite, o jovem usou a ocasião para mostrar uma versão incendiária do clássico ''Killing Floor'', de Howlin’ Wolf, que deixou Clapton pasmo ao ponto de abandonar o palco enquanto o show ainda acontecia.

No camarim, Eric acendeu um cigarro e com as mãos trêmulas disse a Chandler em tom de espanto: "Você não tinha dito que esse cara era tão bom assim".

O dono dessa "tijolada" sonora era Johnny Allen Hendrix (1942-1970), mais conhecido como Jimi Hendrix, ou o homem que expandiu ao infinito – e para além dele também – todas as fronteiras da guitarra elétrica.

Unanimemente considerado um dos maiores gênios do rock de todos os tempos, o cantor, compositor e instrumentista norte-americano completaria 80 anos neste domingo (27), e apesar de ter morrido há mais de 50 anos, ele segue sendo venerado por artistas e fãs de diferentes gerações.

"Sem dúvida, Jimi Hendrix é o maior guitarrista de todos os tempos. Basta consultar as listas que volta e meia são publicadas pelos veículos especializados, não só do rock, mas no mundo da música, para confirmar isso", explica o jornalista e crítico musical, Marcos Bragatto.

Para Bragatto, um dos principais diferenciais de Hendrix foi seu brilhantismo incomparável que deu origem a uma infinidade de estilos como o heavy metal, o progressivo e o jazz-rock.

"[Ele surgiu] numa época de bandas, power trios, na qual quase não existiam guitarristas solo chamados pelo nome e que realmente solavam, muito menos do modo inventivo que ele fazia", observa o crítico.

Dono de uma técnica única, e explorador de maneiras inusitadas de se tocar guitarra – de cabeça para baixo (habilidade que desenvolveu principalmente por ser canhoto), usando as costas ou até mesmo com os dentes – Hendrix acumulou um sem-número de admiradores durante sua curta existência, que iam desde o lendário Miles Davis, passando por Paul McCartney e John Lennon, até os grandes guitarristas dos anos 1960, como Jeff Beck, Keith Richards e John Mayall.

"O impacto que Hendrix causou no rock é incalculável", comenta o pesquisador e autor do livro "O Som da Revolução: Uma História Cultural do Rock 1965-1969", Rodrigo Merheb.

"Londres, na época, era uma espécie de capital cultural do ocidente ditando tendências no cinema, na literatura, na moda e, especialmente, na música. O que as bandas inglesas faziam basicamente era decodificar o vocabulário de gêneros musicais americanos e depois aderir novos elementos que ajudaram o rock a evoluir como linguagem", diz o especialista.

Merheb ressalta que um dos méritos de Hendrix foi saber entender a cena britânica da época. Assim, ele pôde implodir a fórmula que era vigente por lá trazendo características marcantes de seu DNA sonoro, como o blues, o jazz e o rock'n'roll.

"Ele criou um trio com seu nome e assumiu o protagonismo. Com a dimensão simbólica de ter sido o único astro negro do rock naquele período a colocar dois europeus como coadjuvantes. Todos tiveram que correr atrás. Basta perceber a diferença entre o primeiro álbum do Cream, que é um trabalho bem trivial, para o segundo, 'Disraeli Gears', já totalmente informado pelas inovações hendrixianas", salienta.

Gênio precoce

Nascido na cidade de Seattle, em 1942, Hendrix teve uma infância difícil e perdeu a mãe muito cedo para o alcoolismo. Para lidar com as frustrações, ele achou refúgio na música.

Aos 15 anos de idade, enquanto trabalhava com o pai recolhendo sucatas, ele encontrou uma ukulele velha que só tinha uma corda. Aquilo foi o suficiente para despertar em Jimi o desejo de se tornar um músico profissional.

Algum tempo mais tarde, ele conseguiu, com muita dificuldade, uma guitarra acústica usada que custou apenas 5 dólares.

"A primeira guitarra que tive foi uma Danelectro, que meu pai comprou para mim. Perturbei ele bastante para ganhar aquele instrumento. Lembro que ele insistiu muito para eu mostrar que já sabia tocar antes de me presentear", revelou o guitarrista durante uma entrevista no fim da década de 1960.

Um prodígio desde sempre, Hendrix começou a brilhar já na adolescência como músico de apoio de grandes nomes do soul, R&B, e blues, como Sam Cooke, Wilson Pickett, Ike & Tina Turner, The Isley Brothers e Little Richard. Ele se destacava pelo imenso talento que tinha em dominar a guitarra como nenhum músico antes dele.

Um showman por excelência, ele fazia sucesso não só por sua destreza, mas também pelos truques que mostrava no palco – o que nem sempre era bem visto por todos. Por exemplo, Jimi acabou demitido da banda de Little Richard que o considerou "extremamente exibido". Muitos dizem, porém, que o cantor tinha ciúmes do jovem guitarrista que sempre atraia mais a atenção do público nos shows do que o próprio Richard.

Herói global e atemporal

Como não poderia deixar de ser, a influência catalisadora de Jimi Hendrix também desapontou no Brasil e se fez presente através de diversos movimentos musicais de valor como a tropicália, o metal feito em Minas Gerais e o rock oitentista.

"Ele sempre me influenciou, antes de tudo, por ser um canhoto como eu", admite Edgard Scandurra, cofundador, instrumentista e principal compositor da banda paulistana Ira!.

Reconhecido como um dos principais guitarristas do rock nacional, Scandurra cita que foi Jimi Hendrix, inclisive, quem elevou a guitarra ao patamar de instrumento de destaque na música do século 20.

"Ele ajudou a consolidar a imagem do guitarrista como um líder de banda, assim como o Pete Townsend, do The Who, e o Jimmy Page, do Led Zeppelin, fariam depois. Ele foi pioneiro nesse sentido, de ser o grande comandante de um conjunto de rock", enfatiza o músico.

Marcos Bragatto frisa Hendrix trouxe uma nova concepção para o universo pop no geral.

"Ele foi fundamental para o nascimento do heavy metal e para a difusão do peso (como sinônimo de distorção, guitarra distorcida) na música dos anos 1970; pavimentou o caminho para os guitarristas solo, que virariam uma coqueluche a partir da década de 80 (leia-se Joe Satriani, Steve Vai, etc); foi referência para o grunge/stoner rock nos anos 90, talvez o último grande movimento músico-cultural do rock. Mesmo nas bandas do chamado 'novo rock', da virada de 2000 para cá, é latente a influência de Hendrix, seja no som dos Arctic Monkeys como no dos Foo Fighters", realça o jornalista antes de acrescentar:

"No Brasil, ele influenciou toda a MPB, desde o tropicalismo com os Mutantes, passando pelo 'rock antes do rock' dos Novos Baianos, Belchior e Zé Ramalho, até o rock'n'roller cinquentista Raul Seixas", complementa.

Por tudo isso, Bragatto afirma, Hendrix será sempre a maior referência para aspirantes a guitarristas de qualquer geração.

"Não há quem não comece a aprender a tocar guitarra e não tenha Hendrix como lição de casa", detalha.

Em outras palavra, Jimi Hendrix é o guitar hero supremo.

"Lembro de uma entrevista clássica de Eric Clapton, ainda no começo de carreira, quando ele era considerado o 'Deus da guitarra', em que diz que ao ouvir Hendrix pela primeira vez, pensou em desistir de tocar. Isso dá bem a medida da grandeza desse artista incomparável chamado Jimi Hendrix. Sua maestria foi e sempre será algo inatingível", resume.

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