Entrevista

John Vercher lança 'À Cor da Pele' no dia de encerramento da Flipoços

Escritor norte-americano fala sobre seu complexo personagem Bobby Saraceno, filho de uma mulher branco e um homem negro

Por Patrícia Cassese
Publicado em 25 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
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É com enfática satisfação que o escritor norte-americano John Vercher fala da recepção de seu livro "À Cor da Pele" no Brasil. "Foi incrível, algo que eu nunca imaginei", diz, referindo-se à publicação chancelada pela Trama, editora especializada em thriller e fantasy que pertence ao grupo Ediouro. A narrativa da obra, como o próprio material de apresentação indica, se passa em Pittsburgh, mais precisamente, no ano de 1995. O personagem central é Bobby Saraceno, fruto da relação de uma mulher branca e de um homem negro; portanto, biracial. Ocorre que o rapaz sempre se reconheceu como branco - mesmo porque, com o pai ausente, foi criado pelo avô materno racista, e decidiu esconder de todos a sua origem.  Aliás, até mesmo de seu melhor amigo de infância, Aaron, que, por sua vez, acaba de sair da prisão recém-radicalizado.... como um supremacista branco! 

Certo dia, ou melhor, certa noite, Bobby testemunha uma violenta agressão de Aaron a um jovem negro. E é  ali que ele entende que deve não apenas manter sua identidade em segredo, mas também esconder da polícia seu envolvimento involuntário no crime. Só que as coisas não são, assim, tão fáceis assim. Não bastasse, o rapaz passa a enfrentar os próprios demônios quando o seu pai volta a entrar em sua vida depois de mais de 20 anos. A partir desse ponto, Bobby passa a questionar se a medida da própria existência está inequivocamente atrelada à cor da sua pele. 

A boa notícia é que, neste domingo, John Vercher participa da programação de encerramento da Flipoços, o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas. Na verdade, trata-se da primeira participação do autor, que mora na Filadélfia, em um evento literário no Brasil. "Estou muito ansioso para o evento e espero poder trazer algo de valor para os participantes", contou ele, que é bacharel em língua inglesa pela Universidade de Pittsburgh e mestre em escrita criativa, além de ter sido professor adjunto na faculdade Chestnut Hilla. Confira, a seguir, outros trechos da entrevista concedida ao Magazine.

Gostaria que você me falasse sobre a construção do seu personagem, e se o fato de você também ser um homem birracial foi essencial para falar com propriedade sobre os conflitos que vivenciou...
Embora a história de Bobby seja inteiramente fictícia, a luta pela identidade é uma causa com a qual muitos podem se relacionar, particularmente indivíduos de raça mista. No meu caso, enquanto crescia, frequentemente me deparava com perguntas do tipo: "O que é você?", proferidas em relação à minha etnia. Quando essa pergunta é feita com frequência suficiente, você não pode deixar de começar a fazer essa pergunta a si mesmo. No caso de Bobby, eu queria criar um personagem que pensasse que tinha respondido a essa pergunta e, a partir daí,  tinha que lidar com as consequências dessa decisão.

Por que você quis localizar o enredo nos anos 90?
Em 1995, o julgamento de OJ Simpson estava na boca de todos. Apenas alguns anos depois da agitação em Los Angeles após o veredicto de Rodney King, houve uma nova volatilidade em torno da questão sobre racismo e policiamento de pessoas negras. O julgamento de Simpson criou um ambiente no qual as pessoas falavam sobre essas questões com frequência e em público, de modo que aquele período parecia o pano de fundo perfeito para um romance enfrentando raça e identidade. Também o fiz com a intenção de demonstrar como as coisas pouco mudaram nesse aspecto passadas mais de duas décadas.

Que mensagem seu livro quer passar para as pessoas?
Essa é uma grande questão. Se eu tivesse que me limitar a uma resposta, provavelmente seria que as escolhas que fazemos se propagam e afetam não apenas a gente, mas também aqueles que estão em nossa órbita. Bobby achava que a sua decisão de se passar por branco e adotar os ideais preconceituosos de seu avô afetou apenas a trajetória de sua própria vida. Não foi até o dano já ter sido feito que ele percebeu o que tinha feito.

Li uma entrevista sua na qual você dizia: “A triste verdade é que qualquer história de racismo em nosso país será sempre“ oportuna ”, porque a história deste país está impregnada e fundamentada no racismo e na supremacia branca”. Infelizmente, o Brasil, apesar de ter uma maioria negra na constituição de sua população, ainda vive situação semelhante. Qual é o papel da literatura e das artes em geral no combate a esse?
Eu sinto que a arte, e particularmente a literatura, está no seu melhor quando ergue um espelho para os leitores - quando mostra a eles suas idiossincrasias e falhas de maneiras que eles poderiam não ter visto antes. A ficção, especificamente, pode dar aos leitores um vislumbre de vidas muito diferentes da sua. Se eles encontrarem um terreno comum com esses personagens e se abrirem para suas experiências vividas, podem começar a entender que não somos tão diferentes quanto nos disseram para acreditar.

John Vercher na Flipoços
Neste domingo, às 19h30
Acesse www.flipocos.com

"À Cor da Pele" - John Vercher

Lançamento Trama (Ediouro), 256 páginas
Preço: variado, em função de ofertas de livrarias e sites. 

 

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