A história começou como uma inspiração poética mesmo, conta a escritora Carolina Resende, referindo-se à narrativa que gerou o livro "Quiquinho e Piopio – Cordel do acordo feito e firmado entre menino e passarinho" (editora Aletria). "A intenção era falar sobre a beleza do encontro entre um menino pequeno e um passarinho também pequeno", diz ela, que, neste sábado, às 11h, lança a obra, junto à ilustradora Bruna Lubambo, num evento online, a ser transmitido no YouTube e no Facebook da Aletria. A parceria entre um menino e um passarinho, como já indicado, é o norte da obra, mas o charme extra é que o texto foi construído em quadrinhas, uma das rimas praticadas na escrita de cordel. Para fechar o pacote com chave de ouro, as imagens se alinham a essa tradição, inclusive no uso das cores, predominantemente o preto e o amarelo.

Durante a transmissão deste sábado, o ator e escritor Marcelino Ramos Xibil vai contar as aventuras vividas pelos personagens destacando o ritmo típico da literatura de cordel. O menino da história, vale dizer, foi inspirado em uma criança real, Francisco, que Carolina ressalta ser muito, muito amada. Ele vem a ser filho da produtora e revisora Mariana Gouveia Elian. Ah!. E tem um fascínio especial por passarinhos. "Ele gosta das coisas ao contrário, como quem quer a chuva e o vento em um dia de sol, e tem um olhar tão sensível que tenho certeza de que é capaz de acalmar até um passarinho amuado", descreve, explicando que, à época da escrita, o garoto contabilizava dois anos. 

Mas sim, num segundo momento, a autora foi percebendo que haviam outros aspectos do texto que eram seus, não mais de Francisco. De todo modo, a construção textual se deu de forma orgânica, ainda que ela localize duas reflexões a serem destacadas. A primeira, compartilha, tem a ver com o encontro com a natureza do passarinho, "que é muito maior do que a gente e que a gente não consegue, nem acho que deva conseguir, saber de tudo ou experimentar tudo que ela tem e oferece".

A segunda  é sobre essas ambiguidades,sobre os "avessos", de ser quem a gente é. "Ser a gente mesmo é, também, ser outras coisas. É possível voar e ter os pés no chão, a gente não precisa estar nem querer uma coisa só. É o 'ser mais'. Nessa história, eu não sei se o menino conversou com o passarinho dentro ou fora da cabeça dele, e essa é uma dúvida que não é importante mas que me instiga. Para mim, é interessante ver nesse encontro com o que é diferente, com o que é sonhado, ou até delirado, a possibilidade de experimentar diferentes formas de ser a gente mesmo".

Por último, ela pontua que a história não é só contada pelo texto, mas também pelas gravuras. "Pelas texturas, pelo livro e pelo livreto enquanto objetos... e é muito legal ver que as formas de identificação e reflexão com a história transpõem todas as minhas intenções. Eu não sabia disso mas, agora que o livro já está em contato com leitores, o que eu tenho achado de mais divertido é ver outras formas, muito diferentes das minhas, de se afetar e de refletir com a história. Estou fazendo descobertas muito bonitas", exalta.

Responsável pelos traços que valorizam a contação, Bruna Lubambo também conversou com a reportagem do Magazine. "O universo do cordel e da métrica popular é algo que sempre me fascinou. Sejam as quadrinhas, as sextilhas, os martelos agalopados... tudo isso é de uma lindeza tão grande!", enfatiza ela, acrescentando que já era uma leitora e "escutadora" desses tipos de textos há muitos anos. "Depois que comecei a me interessar por criação visual, vira e mexe eu arriscava criar umas xilogravuras (matriz de madeira) e linogravuras (matriz de linóleo), em especial depois que fiz um curso livre com o xilogravurista sergipano Elias Santos. De lá para cá, além desse livro, ilustrei também 'O Conto do Rouxinol em Cordel, escrito em sextilha pela Sandra Lane e pelo Rodolfo Cascão".

Falando especialmente de "QuiQuinho", Bruna narra que procurou aproveitar um aspecto que, frisa, a gravura em alto relevo já traz, e enfatizar o encaixe entre as formas gravadas. "Os elementos impressos vão se encaixando e, por vezes, os espaços em branco, as contraformas, fazem parte dos elementos ilustrados. Como é uma história que fala do encontro, dessa identidade-alteridade entre menino e passarinho, aproveitei para, em algumas gravuras, evidenciar essa mistura entre os dois".

Carolina, por seu turno, avalia que a literatura de cordel é muito interessante por ser uma literatura muito sonora. "O som das palavras na literatura de cordel importa tanto quanto a escrita delas. Eu me encanto, principalmente, por isso. E também por ser uma escrita afetiva, coloquial e bem local/regional. Em geral, com o cordel, me sinto próxima de quem escreveu, me sinto convocada, aprendo palavras, expressões. Então é uma literatura que eu admiro, que eu acho bonita e gosto". Ela lembra que teve mais contato com esse universo no período em que fez mobilidade acadêmica na Universidade Federal de Campina Grande, UFCG, na Paraíba. A mobilidade acadêmica, elucida, é como um intercâmbio entre universidades públicas do Brasil. "Nessa época também viajei muito para Recife, em Pernambuco, e frequentei alguns espaços culturais, artísticos, regionais. Fui tendo mais familiaridade com o cordel a partir disso".

Carolina acrescenta que a publicação foi viabilizada por meio de uma campanha de financiamento coletivo, realizada entre junho e agosto deste ano. "Sem ela, não teria a possibilidade nem de publicar o livro nem de conhecer tanta gente que também se encanta por essa história e pela literatura de cordel. E agora, com a editora Aletria, fico muito feliz em expandir as possibilidades de circulação e distribuição do livro". 

Em tempo: durante o lançamento online, além do bate-papo com as autoras, mediado pela produtora e revisora Mariana Gouveia Elian (sim, a mãe do Francisco) e da contação de histórias de Marcelino Xibil Ramos, vai haver também uma brincadeira. Thiago Miyamoto vai ensinar ao vivo como se faz um marcador de páginas seguindo a técnica das dobraduras em papel.

E mais: O ivro acompanha um livreto com a mesma história, mas no formato tradicional dos folhetos de cordel. Eles foram impressos nas cores azul, amarelo, verde e rosa, que também são as tonalidades de papel mais usadas pelos cordelistas para imprimir seus versos.

Serviço

Lançamento de “QuiQuinho e PioPio – cordel do acordo feito e firmado entre menino e passarinho”, de Carolina Resende e Bruna Lubambo.

Neste sábado, às 11h

No YouTube e no Facebook da Aletria.

Link da live: youtu.be/naG3AKxlBb0