Quando Chico César assumiu, por seis anos, cargos de gestão no governo da Paraíba (foi secretário de Cultura do Estado), a tendência natural era que o lugar do artista desse espaço para o mundo típico da burocracia. Curiosamente, não foi isso que aconteceu. “Meus dias eram normatizados, mas as noites eram de introspecção, divagações”, revela. “Me tornei mais caseiro, e por isso acabei produzindo bastante, compondo e escrevendo”.

Da dupla função, Chico só guarda gratidão. “Agradeço muito à Paraíba, eu adorava estar lá, e percebi que eu tinha força, certa sustança, para ser gestor de dia e seguir criando. Numa situação como essa, você percebe este lugar do artista também como algo específico e único, o que pode ser um agente de acomodação. E somos seres múltiplos, de diversas potencialidades”, acredita.

Deste período fértil, nasceram o disco “Estado de Poesia” (2015), o livro “O Agente Laranja e a Maçã do Amor”, de temática infantil, e uns rascunhos que guardava numa gaveta e viriam a se transformar em “Versos Pornográficos”.

A trajetória de publicação do livro, indicado à categoria de melhor livro de poesia na edição deste ano do prêmio Jabuti, foi interessante. “O Márcio André (escritor e editor da Confraria do Vento, que lançou a obra) que cobrou, ‘E aí, não tem nada para publicar?’ Neguei, e ele insistiu: ‘Será mesmo?’, aí revelei que eu tinha umas coisas, eróticas, guardadas”, lembra Chico.

Foi preciso algumas pessoas garantirem ao músico que, sim, aqueles versos sacanas “eram um livro”, como diz. Além do editor, Chico teve o auxílio luxuoso do poeta brasiliense Nicolas Behr, que assina o prefácio do livro e “salvou” o título da obra. “Eu tinha pensado em algo como ‘Versos Perversos’”, ri Chico. “E ele: ‘Não, isso é horroroso’. É bom ter alguém que a gente respeita por perto”, agradece.

Na verdade, Behr também não morreu de amores pelo nome final de batismo (“Ele achava que a coisa do pornográfico era muito forte, e talvez escondesse as sutilezas poéticas”), mas nessa Chico cravou sozinho: “Acho que é honesto, sem subterfúgios, não esconde nada”.

Inspirações. O sexo era um tema que aparecia aqui (“Dúvida Cruel”) e ali (“Rosa Impúrpura de Caicó”) na obra do músico Chico César. Em “Estado de Poesia”, ele se traduz em algumas canções endereçadas a uma pessoa em especial, Bárbara, como “Caninana”, “Caracajus”, “Da Taça”.

Peço licença a Chico e cometo a indiscrição de perguntá-lo se, assim como no disco, os versos quentíssimos da obra possuem uma ou mais musas inspiradoras. “Na verdade, não. Esses versos pornográficos traduzem mais algumas divagações, uma declaração de amor carnal pelo feminino, pela sexualidade da mulher. Minha adoração e devoração em relação a isso”, conclui, ainda bem, sem vergonha nenhuma.