O escritor israelense Amós Oz morreu, nesta sexta-feira (28), anunciou no Twitter sua filha, Fania Oz-Salzberge. Ele estava com 79 anos e sofria de câncer. “Meu querido pai acaba de falecer de câncer depois de uma rápida piora. Para aqueles que o amam, obrigada”, escreveu Fania na rede social. Oz deixa a mulher, Nily Zuckerman, e três filhos: Fania, Galia e Daniel.

Conhecido por suas inúmeras manifestações políticas de cunho pacifista, ele era o ficcionista israelense mais lido nos 43 países para onde seus livros foram traduzidos, alcançando 42 idiomas diferentes. Por um motivo simples: em suas histórias, o cotidiano de pessoas comuns se misturava às dificuldades de uma comunidade em permanente conflito.

Definido pelo autor como “uma fábula para todas as idades”, o livro “De Repente, Nas Profundezas do Bosque” (2005) é um bom exemplo. Nele, a narrativa tem início com uma professora solteira que mostra desenhos de bichos que existiram outrora.

As crianças, porém, riem e zombam da mestra, pois aprenderam em casa que tais animais não passam de mitos dos quais nem é bom falar – um simples comentário pode despertar uma maldição e a boca pecadora contrai a “doença do relincho” e, tal qual o pobre menino Nimi, passa a se comportar como a de um potro.

Trajetória

Nascido em Jerusalém em 4 de maio de 1939 e filho de imigrantes do leste europeu – a mãe era polonesa e o pai lituano –, o autor mudou seu sobrenome no ano de 1954, de Klausner para Oz, uma palavra hebraica que significa “força e coragem”.

Sua mãe se matou quando ele tinha 12 anos. Oz contou a história desse suicídio, e também de sua infância nos primórdios do Estado de Israel, no romance “De Amor e Trevas”, publicado em 2012. O livro virou filme em 2015 com Natalie Portman no papel da mãe de Oz.

Romancista, contista, ensaísta e ativista, ele recorria à literatura como forma de explorar a vida nos kibutzim (comunidades agrícolas que estão na origem do Israel moderno), a política e os conflitos que viveu na própria pele. Como soldado de reserva, lutou no Sinai durante a Guerra dos Seis Dias de 1967 e nas Colinas de Golã na Guerra do Yom Kippur, em 1973.

Os primeiros contos de Oz foram publicados quando ele tinha pouco mais de 20 anos, em um periódico local. Estudante de filosofia e literatura na Universidade Hebraica, o escritor retornou para o kibutz de sua cidade natal, onde por 25 anos dividiu seu tempo entre escrever e dar aulas.

Em 2013, o israelense foi reconhecido com o prestigiado prêmio literário Franz Kafka, em Praga. Ele também venceu o Prêmio Goethe em 2005, o prêmio Príncipe das Astúrias em 2007, o Prêmio da Paz dos livreiros alemães em 1992 e o Prêmio Israel de Literatura de 1998. Foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura em 2002.

A esse respeito, ele comentou: “Se o senso de humor fosse vendido em cápsulas, eu proporia uma imunidade massiva contra essa praga dos nossos dias que é o fanatismo. E assim quem sabe eu concorreria não ao Nobel de Literatura, mas de Medicina”. O tema do fanatismo também estava no centro de um de seus livros mais aclamados, “Como Curar um Fanático”, lançado em 2004.

Brasil

A obra de Oz é publicada no Brasil pela Companhia das Letras desde 1992. O primeiro livro foi “Conhecer Uma Mulher”. Presidente do grupo editorial, Luiz Schwarcz procurou Afonso Borges em 1993 para tentar viabilizar a vinda do autor ao país.

Foi dessa maneira que o jornalista, escritor e gestor cultural belo-horizontino tomou conhecimento da obra do israelense, através do livro “A Caixa Preta”. “Nunca mais parei de lê-lo”, diz Borges.

Na opinião dele, Oz se dividia entre duas personas: o escritor e o ativista. “Eles se misturam em alguns pontos da literatura e se separam em alguns pontos da sua trajetória. Chamado de traidor por seus compatriotas por sua postura pacifista, ele surpreendeu a todos agradecendo a referência. Considerava que o único caminho do entendimento era o diálogo”, avalia o entrevistado.

Mais de uma vez, Oz visitou o Brasil para participar de conferências. A última foi em 2017, como convidado do evento Fronteiras do Pensamento. Na ocasião, ele aproveitou para lançar o livro “Mais de Uma Luz”, que reunia três ensaios sobre judaísmo, fanatismo e fé. “Ele sabia, como ninguém, usar a fábula, a novela e até recursos estilísticos próprios do jornalismo para abordar a realidade. Tinha uma incrível capacidade de inventar no terreno árido do conflito. Este é o seu maior legado: uma literatura incrivelmente criativa, independente e, ao mesmo tempo, ligada na realidade”, destaca Borges.

Para ele, a ausência do autor será sentida além dos próprios limites da literatura. “Ele vai fazer uma falta inimaginável para a paz”, conclui. (Com agências)

Teatro infantil

No palco. Em novembro, estreou em BH a peça “Hoje o Escuro Vai Atrasar Para Que Possamos Conversar”. Montada pelo Grupo XIX de Teatro, ela ficou em cartaz até o último 23 de dezembro e era inspirada no livro “De Repente, Nas Profundezas do Bosque”, do escritor Amós Oz, falecido nessa sexta.

 

Repercussão

“Quando a certeza parecia vacilar e o chão se esquivar, eu me perguntava: O que pensa Amós Oz?”

Bernard-Henri Lévy

Escritor

 

“A literatura mundial perde um de seus maiores protagonistas. E os amigos perdem um homem de generosidade fora do comum.”

Luiz Schwarcz

Editor

 

“Lamento que ele tenha falecido em um momento do mundo no qual ele seria um personagem fundamental.”

Afonso Borges

Curador