É possível apostar que muitos dos atuais fãs do BaianaSystem vão se surpreender com a idade da banda. Longe de almejar esconder a marca dos anos, o grupo criado em Salvador padeceu daquela famosa síndrome de ator de teatro, que só ganha notoriedade quando começa a aparecer em novelas de determinada emissora. Com vigor e investindo pesado na salada sonora que caracteriza a identidade do conjunto liderado pelo vocalista Russo Passapusso, o Baiana celebra uma década de história com o lançamento de “O Futuro Não Demora”, terceiro trabalho em estúdio de uma discografia iniciada em 2010, mas que só foi apresentada a um público de proporções interestaduais em 2016, com o estouro de “Duas Cidades”.
Se não há exatamente uma ruptura com relação ao disco precedente, comparecem o aprofundamento de algumas questões no campo temático e estético, assim como, em outros momentos, muda-se a rota e a direção. No entanto, o que prevalece é a já conhecida identidade que foi construída por integrantes de diferentes estilos e formações. O que, em si, configura esse paradoxo que a trupe conseguiu alcançar. Hoje, é factível identificar o som do Baiana logo na primeira audição. O mérito de louvar a diversidade ganha uma contundente forma nas letras construídas, em sua maioria, a partir de cortantes fragmentos.
Repertório
Concebido na ilha de Itaparica, no litoral da Bahia, o álbum começa com um mergulho interior antes de atingir as marés do mundo que exige contatos com o outro. Não por acaso, a faixa de abertura é intitulada “Água”, cujo desfecho se dará no encontro final com a derradeira “Fogo”. Dessa maneira, o disco abre os trabalhos em ritmo menos incisivo, primando pelo discurso de que a mudança se faz dentro de cada um e esbanjando pacifismo.
Mas as ondas, na própria definição da física, são perturbações oscilantes, e nada fica por muito tempo no mesmo lugar. Afinal de contas, após as morosas “Bola de Cristal” (que traz o belo achado “não tem diferença do homem moderno pro homem de Neanderthal”), e “Salve”, esta com direito a participações do rapper BNegão e da dupla Antonio Carlos & Jocafi (responsável pelo hit atemporal “Você Abusou”, de 1971), emerge com a força de uma ressaca a estridente “Sulamericano”, impulsionada pelo canto de Manu Chao e que cita “As Veias Abertas da América Latina” (1971), título de livro do uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015).
A partir daí, a fervura aumenta paulatinamente. “Sonar” agrega suingue jamaicano numa balada romântica que atravessa questões terrenas, eróticas e celestiais com tom evanescente. Conduzida por instrumentos de capoeira, “Melô do Centro da Terra” dá concretude aos versos do poema.
“Navio” é de todas a mais dançante, mas não dispensa a aspereza da letra, além de se destacar pela riqueza do arranjo. “Redoma” caminha para o tradicionalismo do sertão, revigorado nas inserções eletrônicas. “Saci” é funk com a potência da autenticidade, principal marca dessa arte tempestuosa.
“O Futuro Não Demora”, terceiro disco de estúdio do BaianaSystem, traz faixas inéditas, entre elas “Sambaqui”, “Arapuca” e “Certopelocertoh”, e conta com participação da Orquestra Afrosinfônica.