Rio de Janeiro. Pencas de romances tratam do universo gay, mas poucos se mostram tão bem-humorados quanto “As Desventuras de Arthur Less”, do norte-americano Andrew Sean Greer. Com senso crítico afiado e prosa sui generis, retrata um escritor quase cinquentão vivendo a crise da meia-idade. Entre outros prêmios, ganhou o Pulitzer de ficção em 2018. Oscar Wilde aprovaria.
O anti-herói de Greer é Arthur Less, autor de bons livros que se vê no ocaso da carreira. Na verdade, o maior mérito na sua vida literária foi ter sido marido do ilustre poeta Robert Brownburn, 25 anos mais velho que ele. Separaram-se porque o veterano não queria que a diferença de idade os atrapalhasse no futuro. Foi ruim para ambos.
Tempos depois, Less mergulha num longo relacionamento com Freddy, 15 anos mais novo. Acabam se separando. “As Desventuras...” acompanha o escritor numa viagem arranjada às pressas justamente para fugir da dor de ver Freddy no altar. Para isso, aceita convites para palestras e cursos planeta afora, ficando meses longe de São Francisco, onde vive desde jovem. Vamos segui-lo num périplo por seis países, com direito a amantes e muitas memórias, até o desfecho engenhoso.
Less dá a volta ao mundo, mas marca passo na vida. Aos 49 anos, vaidoso, bonito, alto, louro e estiloso, faz o tipo gay bem-sucedido – mas só por fora. No fundo, está preso ao passado, é infantojuvenil, um tanto covarde.
Só que nenhuma das características de Arthur Less é uma exclusividade gay – e ponto para Greer. Homens e mulheres estão sujeitos a atropelos afins, estando eles e elas em qualquer uma das sete dezenas de gêneros (ou categorias de consumo) reconhecidas pelo Facebook. Sobretudo, não custa lembrar que o que mata o amor não é o gênero ou orientação sexual de ninguém, e sim o jeito de tocar o relacionamento, como ensina a clássica “A Nível de” (João Bosco/Aldir Blanc), síntese máxima sobre as trocas de casais.
Mais do que a história de amor que às vezes se arrasta demais, é a prosa de Greer que prende a gente. Ele domina o humor característico desse meio nada careta em que seu escritor está metido.
Quando “As Desventuras...” recebeu o Pulitzer, houve estranhamento, porque o prêmio não costuma contemplar romances engraçadinhos. E também teve quem o classificasse como uma alegoria superficial sobre um universo rico. Pode ser, pois a bronca é livre, assim como as interpretações sobre qualquer obra. Tudo bem, cada um escreve o que bem quiser, e a vida não é moleza pra ninguém, mas encará-la com humor também rende boa literatura.
“As Desventuras de Arthur Less”
De Andrew Sean Greer
Tradução: Marcio El-Jaick.
Editora: Record.
Páginas: 252.
Preço: R$ 49,90.