Não foi preciso muito tempo: o arrebatamento veio quase imediato. Em sua passagem pela capital mineira, quando integrou o elenco do Grupo de Dança 1º Ato, a bailarina Morena Nascimento mostrou que sua dança tinha personalidade. Mas estes eram apenas os primeiros passos profissionais da artista mineira, que se lançou no mundo da dança e, atualmente, realiza um daqueles sonhos que, no início, ela mesma considerava impossível: integrar o elenco da Cia. Tanztheater Wuppertal, comandada por Pina Bausch. Morena está de passagem pelo Brasil, onde fica até meados de agosto, apresentando o espetáculo "Sexo, Amor e Outros Acidentes", em São Paulo. Ela aproveita o intervalo das apresentações para vir esta semana a Belo Horizonte, ministrar um workshop na sede do Movasse Coletivo de Criação. Confira a entrevista exclusiva que a bailarina deu ao Magazine.

Dança em família

Existe toda uma influência do meu pai e da minha mãe (Eusébio Nascimento e Silvana Nascimento). Meu pai foi bailarino, coreógrafo, foi para os Estados Unidos se dedicar ao estudo da dança negra contemporânea, com muitas influências africanas. Ele é mestre de capoeira, baiano de Salvador. Minha mãe, mineira, também tem essa trajetória de dança, dava aula para crianças, dançou inclusive no Camaleão. Já nasci nesse meio, assistindo aos ensaios. Mas acredito que a minha relação com a dança seja muito independente da que eles tiveram. Os caminhos que eu traço hoje são bem diferentes, as necessidades da dança são outras, assim como os instrumentos que utilizamos. Eles sempre deixaram as coisas livres para que a minha relação com a dança fosse a mais verdadeira possível.

Primeiros passos

Nunca fui aquela menina que fazia aula de clássico desde novinha, o que eu acho maravilhoso porque é muito importante pensar na forma que se está educando o corpo de uma criança. Aí foi chegando perto dos 17 anos, eu tinha que escolher o que prestar no vestibular. Prestei para comunicação social na UFMG, e dança, na Unicamp. Passei em dança e resolvi fazer. Foi aí que tudo mudou porque comecei a descobrir a dança como uma expressão muito forte na minha vida, descobri um fogo que não queria abandonar.

formação acadêmica

É um curso que te oferece muita informação, não são só aulas de dança, mas fala sobre fotografia, a possibilidade de fazer seu próprio figurino, teatro, história da dança. Teve uma grande importância não no sentido puramente acadêmico, mas desse leque de informações que nos era oferecida.

Profissionalismo em BH

Foi maravilhoso todo o período no 1º Ato. Foi lá que eu pude experimentar vários palcos brasileiros, aprender muito sobre dança com pessoas como a Suely Machado, o Carlos Arão, a Marcela Rosa, o Alex Dias, o Tuca Pinheiro. Lembro que na época do "Sem Lugar", o Tuca me disse ‘obrigado por você ter aparecido’. E eu disse a ele: ‘obrigada por me deixar aparecer’. Sou muito grata a ele e à Suely. Agora, acho que o destaque que meu trabalho teve no "Mundo Perfumado" se deve ao fato de eu ter me entregado totalmente.

rumo próprio

Durante o período no 1º Ato, eu não tinha muito tempo para me dedicar às minhas questões. E eu estava com uma necessidade de fazer meus próprios trabalhos e buscar coisas além-mar. Não porque eu achasse que a dança do outro lado do Atlântico fosse mais interessante que aqui, mas eu precisava cruzar o oceano para ver o que estava do outro lado.

Pensamento de dança


Eu sou muito movida por necessidades e paixões. Não posso dizer que tenho um pensamento muito desenvolvido e delineado sobre a dança e o que eu quero dela. Ainda estou aprendendo muito com as pessoas. Eu não mergulhei ainda inteiramente no que eu, Morena, posso fazer com a minha dança, estou muito ainda na posição de bailarina-intérprete, colaborando sempre que possível com os coreógrafos que trabalho. Mas eu uso a dança para falar de amor, de paixão, das coisas que me fazem bem ou mal. Nunca me problematizei no universo da dança. A dança contemporânea, nesse sentido, está num momento de se perguntar. Eu, até agora, não tenho esse foco. Eu danço porque amo alguma coisa e existem questões que eu tenho a dizer. E só sei dizer através do movimento. Acho até que tenho uma relação às vezes infantil e ingênua com o meu ofício, porque eu não fico racionalizando muito. Não fico tentando me fechar em conceitos.

outros interesses

Meu mundo artístico não está focado só na dança. Às vezes vou buscar elementos na música, arte com a qual eu tenho uma relação muito forte. Quando vejo alguma coisa que é muito boa, não me preocupo se é dança, música, teatro, performance.

Personalidade

Acho que é assumir o que você realmente gosta, aquilo que está dentro de você e reunir tudo num único instante: o momento em que está em cena. Eu nunca me vi dançando, mas sinto que tenho uma força de quem está se sentindo bem no lugar em que está. Gosto de imaginar que sou instrumento de algo maior, que a dança não é meramente uma ação física e mecânica. Para mim, dançar não é só mexer e ficar suada. Tem alguma coisa a mais por trás disso, que eu ainda estou tentando entender o que é. Quando estou em cena, trago para junto de mim minhas memórias, meus ancestrais, medos e desejos. Uso tudo isso naquele único momento.