Fortaleza. Jorge Furtado gosta de estar na contramão. No momento em que as comédias reinam soberanas no cinema popular brasileiro, ele, o Luis Fernando Verissimo da sétima arte, está lançando seu longa mais dramático. “Tudo que eu espero de um filme é que ele seja inesperado. Por isso, aliás, tenho visto muito poucos. Vejo um trailer e não preciso assistir, porque já sei o que vai acontecer”, justifica.

A ironia é que, ao surpreender com essa troca de marchas, o cineasta fez seu longa menos surpreendente em termos de trama. “Real Beleza”, exibido pela primeira vez na competitiva do 25º Cine Ceará na noite de sábado, é um romance convencional em que uma trama de novela é elevada quase a um “As Pontes de Madison County” dos Pampas graças à qualidade literária do texto de Furtado e à ótima performance de Adriana Esteves.

O filme acompanha o fotógrafo João (Vladimir Brichta) rodando o interior do Rio Grande do Sul em busca de novas modelos. Quando encontra sua candidata perfeita na jovem Maria (Vitória Strada), ele precisa convencer o pai, Pedro (Francisco Cuoco), a permitir que ela vá para São Paulo, mas acaba se envolvendo com a mãe dela, Anita (Esteves).

Metalinguístico como os demais longas do diretor, “Real Beleza” é um filme sobre o olhar. Sobre como a beleza não é algo que existe concretamente, mas sim uma construção, uma interpretação e uma escolha de quem vê – um chavão tão batido quanto verdadeiro. “A Gisele Bündchen tem uma irmã gêmea. Elas são quase idênticas, então que diferença é essa que vale US$ 1 bilhão?”, questiona o cineasta, que teve a ideia do roteiro ao ler um artigo do jornal inglês “The Independent” sobre o Rio Grande Sul como celeiro de modelos internacionais.

Mas se a câmera, quase sempre em movimento, representa o olhar perdido do protagonista em busca dessa resposta, a real beleza (e o maior trunfo) do filme é o olhar de Anita. É no rosto e nas expressões da personagem que se manifestam as outras belezas – da poesia, da memória, da gratidão, do amor – ignoradas, segundo Furtado, em função de prioridades deturpadas da nossa cultura. É na personagem que João reaprende a enxergar esse ideal expresso no título do longa.

E a principal responsável por isso é, sem dúvida, Adriana Esteves. Atriz de pouquíssima expressão no cinema, a Carminha (como um jornalista chileno bem identificou após a sessão) da TV pega um filme mediano e o transforma em um drama envolvente e instigante toda vez que aparece. Muito antes de sua personagem despir-se fisicamente em cena, a atriz seduz João e o espectador com um lento strip-tease emocional, com um olhar esfíngico que provoca e sugere muito mais do que revela.

“Na comédia, o diálogo conduz muito a cena. Mas no drama tem uma coisa da vivência interior que você tem que ficar imaginando ‘o que está se passando na cabeça dessa mulher agora?’. Nesse sentido, a Adriana é impressionante, porque ela é muito intensa”, explica Furtado. Essa diferença entre os dois gêneros e a centralidade do elenco deixam bem claro por que o longa cai tanto na segunda metade, quando se torna um embate de visões de mundo – ou concepções de beleza – entre João e Pedro, dois personagens bem menos interessantes.

Furtado imbui o pai vivido por Cuoco com sua usual riqueza literária. Ele é um cego quase mitológico, mistura do Próspero de Shakespeare com Jorge Luís Borges que enxerga o que ninguém mais vê, com citações que vão de Guimarães Rosa a Fernando Pessoa e Cartier-Bresson. “Todos os personagens são o Jorge”, bem avalia Vladimir Brichta. Ainda assim, as cenas se tornam repetitivas, e a falta que Anita faz é clara.

E no fim, após cenas de um humor deslocado e personagens desnecessários (como o assistente de João e o namoradinho de Maria), é ela novamente quem vem resgatar o filme com a escolha moral do protagonista aristotélico. Por mais trivial que seja a história e por mais não surpreendente que ela possa ser, a integridade que Esteves confere à personagem e sua capacidade de dizer tanto com pouquíssimas palavras conferem ao longa a real beleza que João e Furtado tanto procuram.

O repórter viajou a convite do 25º Cine Ceará

Telinha
Novidades.
Bem mais ativo na televisão do que no cinema hoje em dia, Jorge Furtado já está preparando duas novas séries para a rede Globo. “Mr. Brown”, de verve mais cômica, será estrelada por Lázaro Ramos, Taís Araújo e Luiz Miranda e tem previsão de estreia em setembro. Já “País do Futuro”, um drama coescrito com Guel Arraes e João Falcão, contará a história do surgimento da TV e a transição do rádio para o novo meio nos anos 50.