Em tempos cada vez mais digitais, chegou-se a anunciar a morte do livro impresso com o advento do e-book. O mercado editorial, porém, vem dando sinais de que esse pode não ser o futuro do segmento. Contrariando a tese de que os pixels substituirão o papel, lançamentos do fim de ano fazem o caminho inverso: nascem no mundo virtual e tomam as páginas e prateleiras das livrarias.
Não é de hoje que editoras lançam mão do conteúdo de blogs e incluem em seus catálogos títulos de blogueiros famosos. A novidade é a chegada desse mercado às redes sociais. As sacadas de Rita Lee no Twitter, por exemplo, deram origem a “Storynhas” (Companhia das Letras) – nas páginas, as histórias ganharam a companhia das ilustrações de Laerte. Já a Sextante investiu na publicação dos roteiros originais dos vídeos da Porta dos Fundos no Youtube. Destaque da safra de artistas que se mostram no Instagram e Facebook, Pedro Gabriel lança pela Intrínseca seu primeiro título, “Eu Me Chamo Antônio”. Em clima de experiência, a editora Ímã projetou “Rio365”, com parte do conteúdo criado coletivamente, no Instagram.
A discussão invariavelmente cai no porquê de se levar conteúdos gestados nessas mídias, inclusive na linguagem própria de cada canal, para o analógico. Seria uma estratégia mercadológica das editoras? Ou talvez uma procura de chancela de qualidade?
Especialista no assunto, editor e fundador do maior site sobre o mercado editorial no Brasil, o Publishnews, Carlo Carrenha se arrisca a responder que, sim, na maioria dos casos se trata de puro business: “Esse novos autores já vêm com público pronto, em plataformas em que existem métricas bem definidas. Se eles têm milhares de seguidores, ávidos por consumir, naturalmente é um bom negócio”, diz.
Público. Egresso das redes sociais, o publicitário Pedro Gabriel é o autor por trás da página do Facebook, Tumbler e Instagram “Eu Me Chamo Antônio” e assina seu primeiro livro, com título homônimo. Com base nessa experiência, ele discorda da visão puramente comercial dos lançamentos que vêm do digital. “Não é garantia de que meus seguidores vão querer ter um livro impresso, assim como já recebi feedback de quem não me conhecia na internet, comprou e gostou do livro. Me sinto valorizado tendo um livro publicado, porque é uma aposta da editora que pode não dar certo”, afirma ele.
Produtivo nas redes, Pedro conseguiu criar uma identidade visual marcante, que arrebatava, até a última quarta-feira (18), 435 mil seguidores no Facebook, mais 105 mil no Instagram. Os posts publicados em seus perfis são frases e desenhos rabiscados em guardanapos de papel, quase sempre no mesmo bar carioca, o tradicional Café Lamas. Nas páginas do livro, ele aproveita o mesmo formato. “É curioso, porque o material surgiu em um meio físico (o guardanapo), foi levado para a internet e, agora, volta para o impresso. Nunca imaginei que isso fosse acontecer”, diz.
Como afirma a pesquisadora em novas estratégias para a mídia digital do pós-doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Costa, o desafio de iniciativas como essas mora na transição entre o virtual e o físico, universos tão distintos quanto complementares.
“É importante observar como essas narrativas vão se comportar no papel. Não adianta pegar o mesmo conteúdo e tentar replicar em várias plataformas. O processo não é de recortar e colar, mas sim de criar outro caminho, em uma narrativa híbrida. Alguns vão ser bem-sucedidos, outros, não, porque as linguagens não são as mesmas. Transferir um material multimídia para o impresso é como fazer um filme de um game, outros elementos têm que aparecer para costurar essa história”, afirma ela, que faz parte do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ.
Na avaliação do editor e pesquisador da editora Ímã, Julio Silveira, buscar o caminho da transição é fundamental para evitar a redundância do conteúdo em diferentes fontes. “Não faz sentido pegar alguma coisa que já está na internet, que funciona bem em sua plataforma, e jogar nas páginas impressas. O livro assim se torna uma versão paga, reduzida e limitada do que está de graça para todo mundo acessar. Buscar a relevância é trazer algo de especial para as páginas”, diz.
Em “Rio365”, o editor convidou autores e profissionais como fotógrafos e designers para escrever textos inéditos que acompanham as fotos de centenas de usuários do Instagram. O livro é o resultado de uma experiência com uma comunidade virtual de mais de 6.000 pessoas, que fotografaram a cidade do Rio de Janeiro seguindo temas semanais na internet. De material bruto para a publicação, Silveira tinha mais de 100 mil cliques para escolher. Os créditos do livro contam com mais de 400 nomes. “Foi uma experiência gratificante, por ter envolvido tanta gente. Pelo Instagram, conseguimos mobilizá-las e elas participaram efetivamente do processo de edição, discutindo e comentando cada tópico”, afirma ele.
Estratégias. Para Pedro Gabriel, a relevância do seu livro está nos 90% de material ainda inédito. Quando a editora fez o convite para publicar, em fevereiro deste ano (2013), ele já contava com um “estoque” com mais de 700 guardanapos prontos, e a produção continuou ao ritmo de pelo menos um por dia e cerca de cinco por fim de semana. “Vejo a publicação como uma coisa muito positiva, porque sinto que ainda existe um certo preconceito com o que nasce na internet. Eu mesmo não leio livros digitais, gosto do físico, que se pode cheirar, rabiscar, ter na cabeceira. Ninguém presenteia outra pessoa com um link, mas um livro é sempre encantador”, afirma o escritor.
Já a estratégia da editora Companhia das Letras foi trazer o cartunista Laerte para ilustrar as histórias narradas por Rita Lee (ou seu alter ego, Lita Ree) que faziam sucesso entre seus 670 mil seguidores. Na versão impressa, as histórias foram publicadas com apenas duas diferenças em relação ao Twitter: ganharam títulos e perderam a expressão “the end”. Até a ortografia no livro segue a original. Ela explica a resistência ao novo acordo ortográfico no prefácio da obra: “Sou meditante, adepta de acêntos, hí-fens e trëmas. A nova ortografia ñ me representa. Qdo a ditadura é um fato, a resistência é um dever”, escreveu.
“Bar”, por Rita Lee
Era uma vez tudo en passant.
O planeta, blasé demais, nem presta atenção naquela estranha e bela mulher se aproximando do restaurante lotado. Angelina Jolie senta-se no balcão e pede um drymartini. A noite era uma criança deslumbrada.
Nessse momento entra Jahn Wayne c/ seu andarzinho aboiolado, senta-se ao lado d Mrs. Pitt e pede um copo d leite d soja diet. A belilíssima saca um Colt prateado, encosta na têmpora d John Wayne e POW!
“Isto é por vc ter matado tantos índios no cinema!”