Crítica

Edu Lobo reedita parceria elegante com Senise e Lubambo em “Quase Memória”

Novo álbum do trio traz versões para músicas feitas com Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Paulo César Pinheiro

Por Raphael Vidigal
Publicado em 02 de julho de 2019 | 03:00
 
 
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A comparação entre mulher e música revela o papel de musa que o ofício de criar canções ocupa no novo álbum lançado pelo trio Edu Lobo, Mauro Senise e Romero Lubambo. É na parceria entre Lobo e Chico Buarque, feita para a peça “Cambaio”, em 2001, que a constatação se dá.

Interpretada originalmente por Zizi Possi, “Lábia” ganha vigor no canto de Lobo, sem perder as nuances românticas da letra de Chico: “Mas nem uma mulher em chamas/ Cede o beijo assim, de antemão/ Há sempre um tempo, um batimento/ Um clima que a seduz/ E eis que nada mais se diz/ Os olhos se reviram para trás/ E os lábios fazem jus”. 

Repertório. “Quase Memória” mantém o clima elegante que pautou “Dos Navegantes” (2017), quando o trio se encontrou em disco pela primeira vez. A curiosidade é que a faixa-título, inspirada no romance homônimo de Carlos Heitor Cony (1926-2018), de 1995, e composta por Lobo, é, justamente, a única totalmente instrumental. 

O restante do repertório prima por canções que trazem no encontro entre letra e melodia o seu grande charme. Lobo nem precisa de dotes vocais acima da curva para fazer valer o peso lírico de “O Dono do Lugar” e “Branca Dias”, ambas feitas com Cacaso (1944-1987) nas décadas de 70 e 80. Ciceroneado pelas cordas de Lubambo e os sopros de Senise, Lobo dá conta do recado sem dificuldade. 

Um bom exemplo é “Terra do Nunca”, que coloca na roda a poesia de Paulo César Pinheiro. Gravada pelo Boca Livre em 2013, a faixa também teve origem no teatro, ao ser composta para uma peça infantil sobre Peter Pan nos anos 90. “A Terra do Nunca é encantada/ Fica numa nuvem lá do céu/ Tem rei, tem fada, rio e passarada/ Tem brinquedos pela estrada”, dizem os versos.

Uma das mais antigas a serem resgatadas, “As Mesmas Histórias” prenuncia o pendor para a tradição que Lobo já exibia em 1966. Registrada em forma de samba-canção por Maysa (1936-1977), a nova versão alivia no teor do sofrimento em prol de um arranjo jazzístico que leva a faixa a ultrapassar os 6 minutos de duração, conduzida pelo virtuosismo dos instrumentistas. “Volto contando as histórias/ As mesmas histórias/ E no entanto eu nem lembro/ Daquelas promessas que eu fiz”, diz a letra. 

“Rosinha” é parceria de Lobo com Capinam e fotografa uma brejeira protagonista com sua sombrinha, símbolo de um país interiorano que parece ter ficado para trás. O saudosismo permanece em “Canudos”, mas, aqui, há injeção temática e melódica. Ao revisitar um período de revoluções, o álbum eleva seu tom político e se agita musicalmente.

Apesar disso, não abre mão de sofisticar o discurso, deixando de lado palavras de ordem, como comprova o trecho “Quando o céu virasse a terra/ Como um rio sem nascente/ Quando a espada entrar na pedra/ Quando o mar virar afluente”. 

As novidades são guardadas para o final. A inédita “Peregrina”, também feita por Lobo com Pinheiro, atesta a boa forma dos compositores. “Silêncio” desafia o tempo, com poema de Vinicius de Moraes de 1958, musicado neste 2019 por Lobo, em mais um louvor à arte. 

Ouça faixa do novo álbum de Lobo, Senise e Lubambo:

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