Proporcionar ao espectador a experiência de ver os bastidores de uma encenação não é exatamente novidade. Desde os idos dos anos 20, o alemão Bertolt Brecht expunha o espaço cênico e suas peças deixando bem claro que tudo se tratava de teatro combinado e ensaiado. Por outro lado, procurar expor as fissuras de um processo criativo, com suas dúvidas e imperfeições, é algo que começa a ganhar os palcos na atualidade. “Jornada” é um espetáculo “inacabado”, poroso, que pretende dar algumas chaves para seu espectador fazer as mais diversas leituras e conexões. A peça estreia nesta quarta (13) no CCBB, na programação do Verão Arte Contemporânea (VAC).
“Tem um caráter experimental que não segue uma ideia tradicional de peça de teatro. É um espetáculo a ser decifrado, que revela a tentativa de uma peça. São as bordas de um espetáculo e os fracassos nessa tentativa. Ela não tenta esconder seus bastidores”, pondera o diretor e dramaturgo Vinícius Souza. “É uma peça que será construída com o olhar de quem vê”, completa a atriz Juliana Martins.
Em cena, Juliana, Camila Morena e Gláucia Vandeveld trazem questões inerentes a suas próprias trajetórias, ao feminino e ao ofício teatral. “Somos nós falando sobre nós e das mulheres de nosso tempo. É político sem ser manifesto. Um lugar profundo de avaliação sobre o tanto que estamos nas lutas e como somos influenciadas por elas”, pontua Gláucia. “É uma peça para e sobre três mulheres atrizes, que tenta criar um diálogo entre dois campos: o teatro e o feminino. Todo o trabalho que fizemos foi pensando em vozes das mulheres no teatro, como o teatro pode servir para uma mulher e o que uma mulher pode fazer com teatro”, completa Souza.
O diretor destaca a importância da escuta no trabalhar com três atrizes e fortes questões femininas. “Optei por uma estrutura aberta o suficiente para elas terem voz e vivenciar situações importantes do universo individual de cada uma”, garante.
O espetáculo é dividido em três momentos distintos, bem delimitados pela encenação: um ensaio marcado por improvisos; a leitura de um texto que mostra três mulheres fictícias, de diferentes idades e perfis, que estão prestes a viajar para fora do país, mas são interrompidas por um acidente no meio da estrada (sem sinal de celular, elas se veem obrigadas a passar um tempo juntas); e uma entrevista coletiva sobre a montagem. “É como se a peça não estivesse em cena. A gente vê tudo que está ao seu redor. É como se a peça acontecesse na cabeça do público que necessita montar, juntar essas peças”, pontua Souza.
Ao criar um trabalho tão poroso, os artistas assumem o risco de uma obra inacabada, apostando em uma “desmontagem do espetáculo”. “Esse trabalho é um lugar de risco, porque estamos mergulhando num processo que experimenta o jogo teatral como um fim. É um lugar muito novo, arriscado. Uma sessão jamais será como outra. É um lugar de aprendizado, de desconstrução, de testar nossa trajetória, nosso vocabulário, técnicas, memória. É um lugar menos conformado, menos confortável no sentido de achar que o espetáculo está pronto”, pontua Camila.
Processo
Companheiras da Cia. Absurda, Camila e Juliana começaram a vislumbrar um novo trabalho para as duas levarem adiante. Ainda sem texto, passaram a improvisar diversos motes antes de Vinícius Souza integrar o trabalho. Depois, com o processo mais adiantado, Gláucia se engajou nos ensaios, e vieram vários outros artistas: Luiz Dias, no figurino; Patrícia Bizotto, na trilha; Jésus Lataliza, na criação de luz e Bruno Lélis, na produção. Além das contribuições de Lydia Del Picchia e Marcelo Castro, que frequentaram os ensaios do novo espetáculo.
Todo o processo de “Jornada” foi feito sem patrocínios, diretos ou via Lei de Incentivo. “As pessoas se engajaram por gostar e acreditar no trabalho. É um forma de resistência. Queríamos ter uma condição melhor, mas isso não nos impede de levar adiante nosso desejo”, destaca Juliana.
Programação
“Jornada” está em cartaz de quarta (13) a sábado (16), às 18h, no CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários). Ingressos: R$ 30 (inteira).