A ilustração é um elemento fundamental na linguagem da literatura infantil. Como elas nascem?
Da relação dela com o texto e com o enriquecimento do texto. Eu vou lendo, vou lendo até achar uma porta que me joga nas entrelinhas. Faço algumas coisas que o texto está falando, mas invento outras. Tem ilustrações que são ao pé da letra do texto, mas elas são tão lindas e apresentam tanta viagem na própria textura que você viaja do mesmo jeito. Mas eu prefiro ser o mais sutil possível em relação ao texto. Em geral, quando eu posso esconder o personagem até a metade do livro eu escondo. Em vez de colocá-lo, boto vestígios, o tênis dele jogado, e crio outras coisas.
Isso tem a ver com desencadear a imaginação do leitor, deixar espaço para ele criar suas próprias imagens?
Claro. Quando você lê "Cem Anos de Solidão", do Garcia Márquez, que é supervisual, você vai fazendo as cenas. Eu não lembro de nenhuma palavra do livro, mas me lembro bem do filme que eu fiz na minha cabeça. É a mesma coisa com a ilustração. Tem criança que não está interessada em ler um livro porque quando viu as imagens uma vez, viu todas. A imagem esgotou rápido. E outra coisa: hoje tem muita imagem assaltando os olhos de todo mundo - internet, tudo animado em "flash", cada game perfeito. Então se a ilustração não for instigante, não pega.
Vemos nas suas ilustrações colagens de objetos variados. Por exemplo, em "Histórias de Lavar a Alma" (texto de Graziela Hetzel), tem a imagem de um peixe no aquário para ilustrar um poço, panos velhos bordados, cujas dobras formam personagens, alfinetes...
Eu sou cheia de bugingangas. Lá em casa eu falo que nada se perde, tudo se escaneia ou fotografa.
Podemos dizer então que sua matéria-prima são objetos nos quais você esbarra em casa. E suas ferramentas, o Painter e o Photoshop.
Ferramentas altamente tecnológicas. Mas tenho usado menos esse tipo de fusão, porque você não pode fazer a mesma coisa a vida inteira. Então tenho usado muito o desenho puro nos últimos livros. Sabe o que é? As pessoas nos desafiam demais e eu adoro um desafio. Depois de um comentário que eu vi de uma leitora na internet, dizendo que gosta mais dos meus trabalhos dos anos 1980, eu falei: "Ah, é?" E passei a fazer desenhos puros que não parecem nem um pouco terem sido feitos no computador.
Mas você considera importante a sua formação em belas artes e todos os anos de aquarela na hora de desenhar na tela do computador?
Acho que se eu não tivesse tido todos esses anos de prancheta eu não faria o que eu faço no Photoshop. Mas o computador melhorou muito o meu trabalho. Tem um tal de "control z", que devia ter na vida... Quantas vezes derramei o nanquim em cima do desenho, ou dei uma pincelada errada, quando trabalhava com aquarela. Aí perdia tudo e tinha que começar tudo de novo. E isso muitas vezes reprime o traço do ilustrador e o impede de ousar. Agora não tenho mais medo de arriscar. Desenho muito mais hoje. Mas tenho saudade da tinta e do papel. Não tiro da cabeça a idéia de ainda fazer um livro só no papel. Mas isso quando eu tiver três meses só pra isso.
Você ilustrou poemas de Manoel de Barros no livro "Poeminhas Pescados numa Fala de João". O que lhe fez pensar que a obra do poeta daria um bom livro ilustrado?
Ele fala com coração de criança. E ele tem essa linguagem em que o leitor, dependendo da sua cabeça, pode ir muito fundo ou muito raso. Ele pode parecer até infantil, mas é de uma sofisticação fantástica. Ele elabora o infantil, na atenção que tem com o "insignificante", com os detalhes... Até esqueci de perguntar se ele é virginiano. E isso tem tudo a ver com o imaginário infantil. Ele fala do caminho da lesma que passa ali, inventa palavras que nem o Guimarães Rosa. Nesse livro, ele tem uma construção de frases surpreendentes ("A noite caiu da árvore"). Eu olho e penso que foi uma criança que escreveu. O Manoel fala para a criança da gente.
É comum ouvir queixas quanto ao valor dado ao ilustrador no mercado de literatura infantil. Especialmente em relação ao não pagamento do direito autoral. O quão grave é o problema?
Esse assunto é muito importante para nós, ilustradores. Começa com a história das pessoas não se lembrarem que existe literatura infantil. Qual é a hora da vida em que aprendemos a ter gosto pela leitura? E como os veículos de comunicação que estão ligados à cultura não têm a menor lembrança da literatura infantil? Com isso eles não formam os próprios leitores - quem vai comprar jornal depois? Acho que o adulto que não mantém um departamento infantil na sua alma está perdido. As pessoas esquecem o seu lado infantil. Onde tem uma seção de livros, tinha que ter um espaço para literatura infantil. Agora, eles não lembram que tem literatura infantil, muito menos que existem ilustradores. Estou cansada de ver matérias citando livro do fulano de tal, autor fulano de tal. E nunca cita o ilustrador. Não estou falando isso por causa de vaidade. É uma questão de direito autoral, de direito moral.
A pesquisadora Vera de Teixeira Aguiar diz que a linguagem da literatura infantil é híbrida e que a ilustração nunca deveria estar subordinada ao texto.
Acho que não deveria usar o termo ilustrador, mas autor de ilustração. Até hoje tem editora que não deixa colocar o nome do ilustrador na capa. E isso influi diretamente na hora de você receber direito autoral. Não é apenas um nome na capa, é um reflexo de um monte de coisas. Quanto a essa questão, nossa proposta sempre foi a seguinte: como as editoras provaram na ponta do lápis que não tinham condição de pagar direito autoral para os escritores e para os ilustradores, nós propusemos que não recebêssemos na primeira edição, o que é justo, porque em geral recebemos a vista mais do que o escritor. Mas que, a partir da segunda, recebêssemos um tantinho, 3% que seja, mas sem tirar do escritor. Em certos países, se "Cajaré" tivesse sido imagem de um e texto de outro, o autor da imagem iria ganhar um percentual maior, se fosse dividir. Por quê? Porque é a imagem que está contando a história. No Brasil jamais se conseguiria isso. O editor não quer pagar mais de 10%, então eles pressionam para que o autor do texto divida isso com o da ilustração. E o primeiro acha um absurdo porque 10% já é pouco. E eu concordo. Agora quando o editor é irredutível e o livro é infantil, acho que o autor do texto tem que dividir com o da ilustração. Eu topo todos esses trabalhos sabendo que não é assim. Mas na hora de mandar o livro para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE), que compra milhares de livros, acho que, pelo menos nesse caso, o autor da ilustração tinha que ter o direito. Sabe por quê? Porque esse programa exige livro ilustrado. E por que eles exigem isso? Faço questão de frisar: porque o bom texto, para ser um bom livro infantil, tem que ter ilustração, sim. Ele depende da imagem.
-
Ex-noiva responde pedido público de desculpas de Fernando Zor
-
Saiba por que o Super-Homem e outros heróis usam cueca por cima do uniforme
-
Sandra Annenberg diz usar vibrador no sexo: 'A gente brinca de tu
-
Influencer que transou com mil homens em 12h é punida pelo OnlyFa
-
Jorge & Mateus anunciam convidados da turnê comemorativa de 20 anos da dupla