A lógica de que o trabalho dignifica o homem é colocada em cheque em “Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, não pelas personagens filmadas, mas, sim, pelo diretor do documentário, o pernambucano Marcelo Gomes, 55. Ali, é possível lançar mão de um deslocamento proverbial e concluir que a labuta danifica o ser humano.
“O cruel do neoliberalismo no capitalismo moderno é que ele te estimula a acreditar que você pode fazer mais sendo autônomo e dono do próprio tempo, porque aí você vai ganhar mais. Mas isso é uma grande falácia, porque a gente se autoescraviza. Ficamos reféns das novas tecnologias, respondendo e-mail a uma hora da manhã, trabalhando o tempo todo sem se dar conta”, observa Gomes.
A partir de Toritama, cidade no agreste de Pernambuco com 37 mil habitantes, conhecida como a “capital do jeans”, o cineasta inicia suas reflexões. De origem agrícola, o município “quebrou etapas e passou radicalmente para a indústria” no início dos anos 80, se tornando responsável por 20% da produção nacional de jeans.
Gomes conheceu a cidade durante a infância, quando viajava com o pai, que era inspetor de impostos. Porém, como deixa claro no longa-metragem, nada encontrou dessas primeiras lembranças. “Na minha época, existia em Toritama um teatro, duas bibliotecas, bandas. Esse caldo cultural foi todo extinto. As pessoas se dedicam exclusivamente ao trabalho. E a nossa subjetividade?”, questiona.
Numa das cenas, a entrevistada conta que, para cada peça de jeans trabalhada, recebe R$0,10. Logo, ela exerce o ofício de 6h às 22h. O dinheiro é acumulado para viajar no Carnaval, mas quase nunca é suficiente, levando os moradores a venderem os próprios eletrodomésticos, como geladeiras e televisões.
Serviço. Pré-estreia do filme, neste domingo (7) às 19h, no Cine Belas Artes (rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes). Ingressos: R$ 15 (inteira).
Assista ao trailer do documentário de Marcelo Gomes: