O tempo parece voar, principalmente quando a música o conduz. É o que se constata ao observar que a carioca Marina de la Riva completa em 2017 dez anos de carreira fonográfica. O que determina a efeméride é o primeiro álbum, que trazia apenas o nome da, à época, desconhecida intérprete – pelo menos para o chamado “grande público”. A verdade é que Marina canta desde sempre para pequenas plateias, por vezes formadas apenas por uma pessoa.

“Na minha primeira lembrança musical, eu era muito pequena e estava no colo do meu pai. Cantávamos juntos. A música era ‘Marina’ (de Dorival Caymmi), e eu ficava triste porque o rapaz da canção dizia que estava ‘de mal’”, relembra. Além de trazer no título o nome com o qual foi batizada, a música trazia ainda outro significado especial para Marina. “Apesar do meu olhar infantil, já me apropriava da canção no afeto, meu pai gostava muito. Lembro que essa gravação (a primeira, de 1947) tinha o Jacob do Bandolim, era uma coisa fantástica”, elogia.

É também por isso que a canção aparece na segunda faixa do disco “Rainha do Mar: Marina de la Riva Canta Caymmi”, lançamento que incrementa as comemorações da intérprete. “Estávamos perto do centenário do Caymmi (celebrado em 2014) e um amigo sugeriu a homenagem. No começo, neguei. Mas depois percebi que tinha tudo a ver com os meus mares”, diz.

Caymmi. Composto por 14 faixas, o tributo de Marina para o autor de “Só Louco”, “Rosa Morena”, “Saudade da Bahia” e outros clássicos, todos presentes no disco, apresenta característica única. Marina incorpora às músicas de Caymmi obras do cancioneiro latino. Filha de pai cubano, a mistura “surgiu de maneira orgânica, natural e, em especial, afetiva” para ela. “Fui fazendo as associações e me afeiçoo cada vez mais. Esse repertório é muito pessoal. Tanto que nem sinto a ponte, quero é falar da unidade, com respeito às individualidades culturais, mas deixando claro que na essência e nos sentimentos, principalmente nós, os latinos, somos iguais”, garante.

“É Doce Morrer no Mar”, por exemplo, é intercalada com “Alfonsina Y El Mar”, zamba argentina (gênero similar ao samba-canção), de Ariel Ramírez e Felix Luna, eternizada na voz de Mercedes Sosa. “Internamente entendi que Caymmi apontava para as relações amorosas quando falava do mar, e que a música dele falava metaforicamente do risco de se apaixonar, e da escolha por esse risco. Enquanto em ‘Alfonsina’, mesmo que em nenhum momento haja referência explícita à morte da personagem, somos levados a essa imagem através desse adentrar dela no mar, de forma muito poética”, considera.

Outras interações acontecem entre “Só Louco” e “Dos Gardenias”, música da cubana Isolina Carillo em faixa que traz a participação de Ney Matogrosso, e “Acalanto” com “Este Niño Lindo”, tradicional canção de ninar mexicana, “que meu pai cantava para mim”, recorda Marina. Novamente, a figura paterna evoca, à artista, sentimentos “de mar, de origem e pertencimento”, completa.

Convidados. Além de Ney, João Donato e Danilo Caymmi comparecem no álbum. Marina já havia cantado com todos eles, e para cada um houve um motivo especial para o convite. “O Donato tem uma ligação com a música latina, uma ginga e espontaneidade aliadas à sofisticação como ninguém no Brasil, é único. Eu e o Ney participamos de um projeto (‘Clube do Som’, da HBO) em que cantamos ‘Por Una Cabeza’, do Carlos Gardel, e ficamos muito amigos, além de toda a maravilha que ele carrega na voz. E o Danilo, se não bastasse cantar lindamente e tocar aquela flauta com um acento latino, no final ainda me deu a bênção, dizendo que alguém no céu estava feliz. A presença dos três nesse trabalho era inestimável”, assegura. Na companhia de Marina, músicos tocam piano, acordeom, bandolim, violão, baixo, percussão, com “arranjos modernos e clássicos”, conclui.

Faixas do álbum

1- “Rainha do Mar”
2- “Marina”
3- “Sargaço Mar”
4- “É Doce Morrer no Mar”
5- “O Bem do Mar”
6- “Acalanto/Este Niño Lindo”
7- “Saudade da Bahia”
8- “Um Vestido de Bolero”
9- “Rosa Morena”
10- “Doralice”
11- “Você Não Sabe Amar”
12- “Sodade Matadera”
13- “Só Louco/Dos Gardenias”
14- “Oração de Mãe Menininha”