“Muito mais do que esse negócio de data, que acho chato, o importante de chegar aos 30 anos de carreira é poder continuar trabalhando”, afirma o coreógrafo e dançarino Mário Nascimento. Ele também não é afeito aos trabalhos individuais, prefere o coletivo, mas calhou de estar no palco com um solo no momento em que chega a três décadas de trajetória na dança. Ele estreia “O Homem Invisível” no CCBB, onde cumpre temporada desta sexta-feira (16) ao dia 19. Após o solo, será apresentado “Território Nu”, da Cia. Mário Nascimento.

O solo de Mário vem sendo construído a partir da observação do artista sobre as pessoas que passam despercebidas. “Fico pensando: se eu não fosse dançarino, como eu passaria pelo mundo? Dou graças à dança por ter construído uma linguagem ao longo desses 30 anos e ser respeitado por isso. A dança é o instrumento que me dá visibilidade. Não é a necessidade de ser visto. Sou tímido, detesto o glamour, a celebridade. Pra mim, a arte não passa por esse lugar. Mas é a necessidade de ser respeitado”, afirma o coreógrafo. “Ninguém poderia passar pelo mundo sem ser notado”, completa.

O trabalho traz também outras dimensões políticas ao olhar para a parcela da sociedade que é ignorada. “Isso vem da frieza da sociedade com os acontecimentos. Parece que perdemos a capacidade de indignação, mas eu ainda não perdi. Não posso ignorar o que vem acontecendo e as pessoas que são vítimas disso. Estamos em tempos de perdas de direitos conquistados”, afirma.

Trajetória. O ingresso na dança se deu às custas de muita disciplina.

“Passei na minha primeira audição para a companhia de Lennie Dale. Eram 180 pessoas para 16 vagas. Foi a primeira vez que me senti notado, e acabei entrando no grupo Dzi Croquettes”, lembra.

Entre os ensinamentos adquiridos na companhia de Dale, coreógrafo ítalo-americano radicado no Brasil, está a adoção do termo dançarino no lugar do bailarino, algo que não se faz aleatoriamente. “O bailarino é a coisa da corte, enquanto o dançarino tinha uma conotação pejorativa, era o cara da boate. O bailarino é pomposo, e eu não curto isso”, ri. “Eu sou dançarino na essência, gosto é de dançar mesmo”, pontua.

Quando o Dzi Croquettes acabou, Mário foi estudar na Europa, mas logo foi chamado para coreografar a Cisne Negro Cia. de Dança (SP). “Eu tinha apenas 28 anos!”, comenta. Na cidade, ele fundou a Cia. Mário Nascimento, ao lado do compositor Fábio Cardia. Logo no primeiro trabalho, “Escapada” (1997), Nascimento levou o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) de melhor coreógrafo.

“Começamos a rodar a Europa. Sabe quando você não sabe o que está acontecendo? Ganhamos críticas de primeira página dos jornais. A vida virou uma loucura. Éramos muito sexo, drogas e rock. Assim vivíamos. Quando voltamos para o Brasil, foi preciso acalmar. Eu voltei muito debilitado das apresentações, precisava cuidar do corpo, e o Fábio foi internado. Ficamos um tempo sem aceitar viagens, mas depois voltamos”, lembra.

Já conhecido, Mário passou a receber convites para aulas e coreografias. “A carreira virou um turbilhão. Só quando vim para Belo Horizonte consegui estabelecer uma vida mais tranquila e dar continuidade à pesquisa da companhia”, conta.

Na capital mineira, ele encontrou Rosa Antuña, dançarina que hoje está a seu lado na direção da companhia: “Ela trouxe uma contribuição fundamental na construção da linguagem, trouxe uma dança mais feminina para o grupo, que antes era mais viril, pesada. As coreografias ganharam contorno, sensibilidade”.

Com Rosa e Fábio, ele construiu uma identidade determinante. “Minha dança tem a angústia da urgência, da necessidade de existir. É a dança da resistência”, observa.

Disciplinado. Quanto às movimentações, Mário trabalha em um campo amplo, mas marcado pela alta performatividade. “Se eu não estivesse em boa forma, seria difícil fazer minha dança, porque ela ainda não sofreu a transformação do tempo. Isso vai acontecer em algum momento, mas ainda me permito dançar nesse nível que vem da preparação do meu corpo. Sempre fui disciplinado, treinei muito, e isso me trouxe uma preservação que me permite continuar dessa forma”, explica.

Ele também assume a função pedagógica, dando aulas e oficinas por todo o país. “Não é só passar uma proposta de linguagem, mas fazer entender que arte é o principal espaço de contestação de um mundo tão absurdo. É uma arma que é preciso saber usar, e, para isso, a disciplina se faz necessária. Para mim, o estúdio de dança é um lugar quase sagrado, espaço para treinar, experimentar e entrar em contato também com as regras que vão fazer o dançarino crescer, lembrando que a disciplina não elimina a liberdade”, pontua. “Mas não gosto que me chamem de mestre. Acho uma babaquice”, conclui.

Agenda

O quê. Programa duplo: “O Homem Invisível”, solo de Mário Nascimento, e “Território Nu”, da Cia. Mário Nascimento 

Quando. Desta sexta-feira (16) a 19 de dezembro, às 20h

Onde. CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários, 31- 3431-9400)

Quanto. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)