Para descolar uma balada e zoar era de lei estar antenado no que fosse pintar. Estiloso ou grunge, não andar na pindaíba ajudava. E se quisesse ficar com uma mina, pedir conselhos ao brother estava em alta. É possível que hoje em dia essas gírias não sejam mais tão íntimas de uma geração nascida no século XXI. Mas nos anos 90 elas eram pura lacração. “Foi a evolução da tecnologia. Até então na história, em nenhum período de dez anos tinha acontecido tanta coisa para mudar a relação do homem com a máquina”, analisa o jornalista Silvio Essinger, autor do “Almanaque Anos 90: Lembranças e Curiosidades de Uma Década Plugada”, lançado pela Ediouro em 2008.
Apesar disso, só agora o período recebe apreciação de um dos nossos produtos culturais mais populares. Nessa terça, a novela “Verão 90” estreia na rede Globo com o propósito de repetir o revisionismo que tramas como “Anos Dourados” (1986), “Estúpido Cupido” (1976) e “Boogie Oogie” (2014) fizeram sobre os anos 50, 60 e 70, respectivamente, e que o filme “Bingo: Rei das Manhãs” (2017) realizou com os anos 80.
“As misturas foram intensas, o povo teve a chance de consumir cultura num volume nunca antes visto e foi com sede ao pote”, completa Essinger. No livro, ele coloca em relevo alguns desses acontecimentos, como o sucesso de “Titanic” (1997), o filme mais caro da história; a força do manguebeat com Chico Science e a graça dos Mamonas Assassinas; o estouro do axé e o fenômeno É O Tchan; a invasão das novelas mexicanas no Brasil; a primeira festa rave; e a febre dos videogames.
Reconhecimento
Para Essinger, os anos 90 não gozam do mesmo saudosismo de outros períodos “porque não se passou tempo suficiente”. A opinião é compartilhada pelo jornalista Hagamenon Brito, que criou o termo “axé-music” para designar uma das grandes marcas daquela época. “Ainda é recente, aos poucos vamos identificar as coisas típicas que são essenciais para se criar identidade, prestígio, reverência e, de repente, a gente falar: ‘opa, eu sou um tiozinho dos anos 90’”, brinca.
Já o historiador de música brasileira e crítico Rodrigo Faour aponta outro motivo. “Até os anos 80, o que foi feito na cultura era mais original. Dos anos 90 em diante, começa a ficar tudo com a mesma cara, uma tendência da globalização e massificação que continua”, avalia. “Se você escutar uma música, brasileira ou estrangeira, sem assistir ao videoclipe, é difícil saber quem está cantando, porque se reproduz o mesmo estilo vocal”, exemplifica.
Música
Axé, sertanejo e pagode dominavam a cena. “Foi a explosão da indústria fonográfica”, observa Brito. “O momento em que as gravadoras mais ganharam dinheiro”, nas palavras de Faour, “vinha a pleno vapor desde as amplas concessões de rádio oferecidas pelo governo Sarney. Ali se desequilibra a relação entre a música comercial e a que não era tanto. O importante era só vender”, complementa. O próprio Brito confessa que cunhou o termo “axé-music” “de forma pejorativa, para ironizar a pretensão que eles tinham de ser internacionais”. “Quebrei a cara, a indústria gostou do rótulo pop, e eles chegaram lá”, admite.
A ascensão do ritmo, que começou com Daniela Mercury cantando no Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 1992 para 20 mil pessoas e se estendeu a Timbalada, É O Tchan e Ivete Sangalo, foi “fruto do ambiente festivo, o Brasil parecia pegar o bonde certo da história pela última vez”, diz Brito. A queda, lamentada por Compadre Washington, um dos responsáveis pelo hit “Segura o Tchan”, seria graças “ao fim dos programas voltados a mostrar nossa musicalidade”, indica ele, que, a despeito disso tudo , garante que, “com a internet, uma nova garotada está curtindo o nosso som”.
Todas as telas
Com uma única frase, o crítico de TV Mauricio Stycer define os anos 90 do ponto de vista da TV: “Descontrole na briga por audiência”, diz ele, que se refere aos embates entre Faustão (da Globo) e Gugu Liberato (então no SBT). “Olhando hoje, é mais cômico que chocante. É preciso lembrar que esse período de apelação não foi o primeiro da TV brasileira”, informa Stycer.
“Não acho que essa década seja menos reverenciada. A programação de TV é descartável. Só o que é excepcional, ou ruim, é lembrado”, diz. Já a sétima arte viveu uma espécie de auge. Durante o período o país se viu representado no Oscar pela última vez, com “Central do Brasil”, em 1999, que valeu a indicação de melhor atriz para Fernanda Montenegro e o Urso de Ouro de melhor filme em Berlim. Coordenador do curso de cinema da PUC, Robertson Mayrink cita outras produções: “Terra Estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas; e “Carlota Joaquina”, de Carla Camurati, que ultrapassou 1 milhão de espectadores. “Eles renovaram nossa autoestima. A repercussão internacional, as bilheterias e as interpretações indicavam um caminho promissor”, conclui Mayrink.