Foi por acaso que a jornalista Caroline Rodrigues deparou-se com a história de Ivani Ribeiro (1922-1995), uma das principais novelistas do Brasil, que tem no currículo mais de 30 tramas autorais, como “A Muralha” (1954), “Mulheres de Areia” (1973), “A Viagem” (1975) e “O Profeta” (1977), além de adaptações de clássicos da literatura nacional, a exemplo de “As Minas de Prata” (1966), de José de Alencar (1829-1877).
Recordista em concepção de tramas televisivas no país, a escritora paulista não estava no radar de Caroline até esta se deparar com uma pilha com cerca de 400 livros, descartados bem próximo de sua casa, em São Paulo. Dentre as inúmeras dedicatórias e assinaturas encontradas nas folhas de rosto dos títulos, ela identificava ora o nome de Cleide de Freitas Alves Ferreira, ora o de Ivani Ribeiro. O último lhe soou mais familiar, e, após uma pesquisa, ela confirmou que as duas atribuições referiam-se à mesma pessoa, sendo Ivani o nome artístico adotado pela criadora de uma pletora de telenovelas.
Ao perceber que o acervo diante de seus olhos pertencia à biblioteca da autora, Caroline viu nisso a oportunidade de produzir uma reportagem. Esta, no fim das contas, evoluiu para a ideia de uma biografia, intitulada “Ivani Ribeiro: A Dama das Emoções” (editora Novo Século), que é a primeira a tratar da vida da escritora e que chega agora às livrarias. “Eu fiquei surpresa quando percebi que não havia nenhum trabalho mais aprofundado sobre Ivani, e comecei a achar injusto uma mulher que teve uma trajetória tão curiosa como a dela ter tudo isso jogado fora”, conta Caroline.
Evitar que a história da dramaturga permanecesse conhecida apenas no círculo de artistas e autores mais próximos dela não foi tarefa simples. A jornalista encontrou resistência da família de Ivani, e apenas em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu-se a favor da publicação das biografias não autorizadas, ela respirou mais aliviada com a possibilidade de circulação de seu livro.
O percurso para conseguir uma editora interessada no projeto também foi tortuoso, mas Caroline não abriu mão de seu objetivo. “Uma das motivações para fazer essa biografia é justamente mostrar que Ivani foi uma precursora, mas tudo isso vinha sendo esquecido. Então, eu vi a importância de resgatar toda a trajetória dela, desde o momento em que ela escrevia poesias, sua passagem pelo rádio até se tornar uma das grandes responsáveis pelo formato que temos hoje de telenovela”, reforça Caroline.
Durante a pesquisa, a jornalista entrevistou 80 profissionais que de algum modo se relacionaram com Ivani. Entre eles, Fernanda Montenegro, Regina Duarte, Eva Wilma e Silvio de Abreu. O último, inclusive, frisou que a autora foi uma referência fundamental quando ele decidiu tornar-se novelista. “Silvio sentava com ela para tirar dúvidas e aprendeu muito com os scripts de Ivani. Ele disse que ficava impressionado com a forma como ela escrevia”, diz Caroline.
Dedicação. Ivani chegava a trabalhar mais de 12 horas por dia e, segundo a biógrafa, produzia, às vezes, mais de uma novela simultaneamente. “Houve um período em que ela não era contratada por uma emissora, mas por uma agência de publicidade que vendia as telenovelas para as TVs”, explica.
Tamanha demanda não deixava tempo para outros projetos, como peças de teatro, filmes e livros – o que ela chegou a lamentar em outros momentos. “Ela afirmava que a televisão era uma máquina muito voraz, que consumia os seus materiais muito rapidamente”, recorda Caroline.
Ivani introduziu espiritismo
Dentre os temas presentes nas novelas de Ivani Ribeiro, a espiritualidade se tornou um dos mais frequentes. “A Viagem” e “O Profeta” são exemplos de tramas cujos personagens trouxeram à tona questões ligadas ao espiritismo, à paranormalidade e à possibilidade de vidas passadas.
A biógrafa Caroline Rodrigues ressalta que a autora buscava inserir essas vozes não com interesse doutrinário, mas a partir de uma intenção informativa. “Por meio dessas temáticas, ela vinha trabalhando uma quebra de paradigmas, porque as pessoas ainda tinham preconceito com algumas religiões. Dessa forma, ela colocou personagens que falavam de catolicismo, mas também de candomblé, umbanda, espiritismo, não no sentido de catequizar ninguém, e sim a fim de elucidar e permitir que o telespectador tirasse as suas próprias conclusões”, afirma Caroline.
A jornalista acrescenta que outras questões ligadas ao meio ambiente e à situação de comunidades em situação de risco, como a dos pescadores, também eram foco de Ivani, que abordou esses aspectos em “Mulheres de Areia”. Além disso, em “O Profeta”, a dramaturga também faz um retrato da condição da mulher divorciada. “Ela sempre teve essa noção de quanto os meios de comunicação eram importantes para trazer conhecimento para as pessoas e, por isso, ela manteve essa preocupação em tudo que fez, desde os programas de rádio às telenovelas”, conclui Caroline.
Nas livrarias
“Ivani Ribeiro: A Dama das Emoções”, de Caroline Rodrigues.
Editora Novo Século, 432 págs., R$ 39,90.