“Você fala de que jeito?”. A primeira pergunta é feita pela entrevistada. Tulipa Ruiz, 39, quer saber como pronuncio o nome da faixa que abre seu novo disco. Respondo: “Game”. No texto escrito permanece o mistério, e, novamente, o interlocutor tem a possibilidade de escolher. “TU”, quarto álbum de carreira da cantora paulista, chega nesta sexta-feira (10) a todas as plataformas digitais e, em breve, vai ganhar edição em CD e vinil. O título pretende abarcar várias percepções.
“‘Tu’ é uma palavra pequena, que tem poder de síntese. Esse é um disco cru, praticamente acústico. Pode ser o começo do meu nome e, ao mesmo tempo, uma referência a você, o outro. Acho mágico exercitar isso nesse apocalipse contemporâneo que vivemos; se observar, entender, respeitar o outro que somos nós”, explica Tulipa.
Esse esgarçar de definições continua na canção que inicia os trabalhos. Ela é praticamente um jogo, donde se extrai seu primeiro sentido, se observada a pronúncia em inglês. Para os que, a exemplo de Policarpo Quaresma, personagem criado por Lima Barreto (1881 - 1922), defendem a língua pátria, o significado afetivo se impõe: game de gamar, se apaixonar. A letra é toda baseada nessa diletante brincadeira.
“Um dia me veio na cabeça: ‘quero ficar mais solta, solta’ (a segunda deve ser lida de acordo com o verbo ‘soltar’). E comecei a pensar nessas palavras que tem a mesma grafia mas, às vezes, significados e pronúncias diferentes. Cheguei com essa pilha para o Gustavo (Ruiz, irmão de Tulipa, produtor, violonista e arranjador do disco), e ele pirou de cara, aí nasceu essa música”, conta.
Ao longo da narrativa, Tulipa dispara com sua voz que veio ao mundo para desestabilizar limites: “Quero ficar mais solta, solta/ Dependendo do acerto, acerto/ De quem está no coro, coro/ Varia o molho, molho/ Dependendo do gosto, gosto”. Como tudo nessa travessia, a opção pelo formato acústico tampouco foi por acaso. “A palavra fica mais evidente, a melodia, está tudo mais visível”, afere Tulipa, para na sequência confessar seu truque.
“‘Game’ é um título que você lê do jeito que o seu repertório combina, é uma palavra interativa total, quando ela (a música) nasceu, ficou muito claro que seria a primeira do disco”, entrega. Mas esse caminho nem sempre esteve tão à vista. “Essa vontade de fazer um disco acústico vem desde 2010, quando lancei o ‘Efêmera’ ainda. Inicialmente ele seria só de releituras, mas quando foi chegando perto da gravação, essas músicas novas apareceram”, revela.
Repertório. Com quatro regravações e cinco inéditas, “TU” é concentrado no encontro da voz de Tulipa com o violão de Gustavo Ruiz. Dentre as novidades, uma composição coletiva que enfileira Ava Rocha, Paola Alfamor, Saulo Duarte, Gustavo e Tulipa, e desaguou em “Terrorista Del Amor”, cantada no idioma espanhol. Para completar, a faixa agrega como molho a participação de Adan Jodorowsky, que divide os vocais com Tulipa. “Sentia necessidade de ter alguém o tempo todo comigo nessa música, mas não sabia quem era. Aprendi que a música te diz o que quer. Fui dormir e quando acordei estava com o nome de Adan na cabeça”, relembra a cantora.
O músico é filho do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky. Tulipa e Adan se conheceram em dois eventos no México em homenagem ao diretor de “A Montanha Sagrada” (1973). Intuitivamente, a intérprete foi se ligando em outras coincidências. “Ava é metade colombiana, filha do (cineasta) Glauber Rocha, e ela se arrisca, joga, é ótimo ter alguém ao lado com tanta liberdade para compor. A Paola (Alfamor) viveu no México, tudo se conectou”, constata.
Por outro lado, “Pólen” é assinada apenas por Tulipa. “Aconteceu essa música. Foi minha companheira de madrugada, nem tinha pretensão de ir para o disco”, assegura. Outra que traz uma característica única é “Pedra”, alocada para o grand finale. A canção é fruto de um poema de 1978, feito por um amigo de faculdade do pai de Tulipa, que o musicou há cerca de trinta anos. “É raro o meu pai cantar, mas essa música ele sempre cantou em casa, talvez por ser um poema curto. Sempre achei muito imagética e tinha vontade de gravar. Acho que ela é mais artes plásticas do que música”, compara Tulipa. Mais um aspecto peculiar estimulou a artista, que volta a fazer conexões com outras áreas do conhecimento sensível. “Parece filme que você acha que sabe o final, e aí se surpreende”, conclui a cantora.