CINEMA

Nova tecnologia Sora já impacta a indústria do audiovisual no mundo

Analistas veem impactos positivos e negativos com o lançamento da ferramenta, que democratizará o acesso a recursos de ponta

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 04 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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Já imaginou um filme em que Will Smith faz par romântico com Marilyn Monroe, uma das maiores divas do cinema? Impossível, né? Pelo menos três décadas – a loira platinada faleceu em 1962, e o Agente J de “Homens de Preto” estreou nas telonas em 1992 – separam essas carreiras. Mas, para o Sora, a parceria entre dois grandes astros de épocas distintas é bastante crível.

“E isso já está na mesa dos executivos de Hollywood. Não vai demorar muito para a gente ver esse tipo de filme, com atores e diretores trazidos à vida novamente”, afirma Dalson Carvalho, cineasta piauiense e especialista em realidade virtual. A verdade é que o anúncio da ferramenta Sora, há poucos dias, provocou um terremoto na meca do cinema, dividindo opiniões.

Criado pela OpenAI – a mesma empresa do ChatGPT –, o Sora é um modelo de inteligência artificial capaz de produzir vídeos ultrarrealistas a partir de textos curtos (os chamados “prompts”). Uma revolução que Carvalho compara à chegada das câmeras digitais na década de 1990, que barateou os custos de produção e democratizou o acesso para quem queria fazer cinema.

“É uma nova era do audiovisual. Estou vendo um cenário de muito crescimento, de florescimento de novas ideias de conteúdos, com o acesso a recursos que antes eram exclusivos de grandes estúdios. Boas histórias estão na cabeça das pessoas e, às vezes, elas não têm recursos, não conhecem as pessoas certas, não sabem o caminho para poder realizá-las”, registra Carvalho. 

Se há confiança por um lado, devido à otimização e democratização do fazer cinema em pé de igualdade com os grandes estúdios, muitos analistas, por outro, veem com cautela a novidade, já antecipando o impacto no investimento em audiovisual e na manutenção de empregos, afetando principalmente atores, editores, roteiristas e responsáveis por efeitos visuais.

“Embora seja cedo para imaginarmos todas as consequências, acho que já dá para tirar algumas observações e previsões. Acho que a indústria de animação e de games é a mais impactada – e não necessariamente para melhor. A gente vai ter uma redução de financiamento de custo, que pode ser visto como uma coisa boa, mas que vai gerar perda de empregos”, afirma o professor e cineasta Alfredo Manevy.

Secretário-executivo do Ministério da Cultura entre 2008 e 2010, Manevy observa que, apesar de democratizar o acesso a uma ferramenta de ponta de Hollywood, proliferando conteúdos que atendem a certo padrão de finalização, um velho obstáculo não deixará de existir: a distribuição. “Ela continuará sendo bem controlada por Hollywood”, afirma.

“É um pouco ingênuo, ilusório, acreditar que essa ferramenta mudará o jogo da indústria audiovisual em termos de território. Toda nova tecnologia, como em toda a história do cinema, sempre é apropriada e utilizada de forma desigual. E quando é muito difundida, já imaginando que o Sora também se tornará popular, certamente Hollywood terá outros diferenciais para tornar seus produtos singulares”, prevê Manevy.

Ele não tem dúvidas de que o Sora será uma ferramenta valiosa para os produtores do mundo, mas vê um uso negativo com a geração de fake news. “A gente está indo para uma direção em que o descrédito na imagem vai aumentar muito. Ela vai passar por um grande processo de suspeita de manipulação”, assinala o professor, que também enxerga um lado positivo nisso.

“Haverá uma maior percepção, por parte da população, de que toda imagem tem algum nível de construção e de manipulação. Neste caso, é mais extremo, totalmente criada por um artifício. Mas acredito também que a gente vai ter uma valorização do roteiro, que é exatamente aquela parte que a inteligência artificial ainda não é capaz de fazer satisfatoriamente”, destaca.

Mudanças nas plataformas de streaming

Dalson Carvalho revela que há uma tendência que acredita que essas inteligências artificiais estão mirando um futuro em que o conteúdo será totalmente personalizado. “Ou seja, (no caso de) um serviço de streaming, como a Netflix, se existir neste momento do tempo futuro, acontecerá da seguinte forma: a pessoa vai dar um prompt de comando e ela mesma vai assistir à série que está na cabeça dela”, comenta. 

“A IA será capaz de desenvolver o roteiro, criar os personagens e reproduzir em tempo real. Falando assim, parece um futuro meio distante e improvável, mas a própria Netflix, na última temporada de ‘Black Mirror’, lançou um episódio que mostra como isso seria. O que a gente sente é que os streamings estão buscando essa funcionalidade, esse conteúdo dinâmico que se ajusta à necessidade do espectador”, analisa.

Sobre a perda de empregos com a nova tecnologia, Carvalho observa que o temor é normal, algo que sempre acontece com grandes mudanças. “Há sempre um medo do novo que permeou a história humana. Não é agora que será diferente. Mas acredito que, no longo prazo, como em outros fenômenos de democratização que aconteceram antes, vão surgir novos empregos. Claro, alguns serão extintos, mas as pessoas podem se adaptar às novas ferramentas, porque é isso que o mundo vai exigindo das pessoas”.

Ele acredita que ferramentas serão criadas para garantir se um conteúdo foi criado ou não por inteligência artificial. A possibilidade de atores famosos serem “clonados” existe, mas a classe, segundo Carvalho, já está atenta a isso, exigindo um tipo royalty, como acontece entre artistas da música e o Spotify, por exemplo. “Alguns deles estão assinando termos permitindo a exploração de imagem, de forma digital, no futuro”.

O especialista imagina que os próprios estúdios terão interesse nesse negócio, cedendo talentos para os bancos de inteligência artificial. “Podemos colocar, por exemplo, o Tom Cruise lutando contra um dinossauro, no passado, mas ele precisa receber por isso. Em alguns casos, o ator nem mais precisa estar vivo. Nomes de sucesso na atualidade poderão contracenar com aqueles que já se foram”, vislumbra. 

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