Em se tratando de Zé Celso Martinez Corrêa, dramaturgo criador do Teatro Oficina e falecido tragicamente no início do mês, após um incêndio em seu apartamento, o filme "Máquina do Desejo" não poderia ter uma narrativa tradicional.

Em cartaz nos cinemas, o documentário de Joaquim Castro e Lucas Weglinski reconta os 60 anos do Oficina de uma maneira vibrante e incessante, sem se valer de narrações em off e legendas explicativas, apostando no rico acervo audiovisual do grupo paulista.

Uma forma pulsante que retrata muito bem o que foi o Oficina e o trabalho de Zé Celso para a cultura brasileira, representantes de ousadia, provocação e reflexão, além de um espaço de resistência num momento de recrudescimento da ditadura militar.

A edição é ágil, sem grandes apresentações, indo direto ao ponto dos muitos momentos marcantes do Oficina, como a polêmica apresentação de "O Rei da Vela", baseado em texto de Oswald de Andrade, e que revolucionou o teatro brasileiro na década de 1960.

Um dos instantes mais dolorosos, por remeter à morte do seu criador, é o incêndio do Oficina, em 1966, ocorrido supostamente a partir de um curto-circuito no teto (Zé Celso atribuiu à ação dos militares) e que destruiu completamente o teatro.

O filme reforça esse aspecto de confrontamento com o status quo e a moral burguesa, especialmente na sequência que mostra o embate com o apresentador Silvio Santos, que pretendia adquirir o terreno, que era alugado, para construir um grande empreendimento imobiliário.

Realizado durante um governo que não apoiou a cultura, "Máquina do Desejo" tem o caráter de urgência que predominou no setor nos últimos anos, numa busca pela sobrevivência, como se quisesse salvar do fogo a memória cultural do país.

O fogo que atingiu o Oficina e matou o dramaturgo, aos 86 anos, é sintomático de um tempo de bastiões da cultura que foram consumidos pelas chamas, como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e a Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Nesse sentido, "Máquina do Desejo" carrega esse valor da iminência da destruição e de algo que surge acima de tudo isso, como uma inata vontade dos artistas brasileiros em renascer das cinzas e balançar as estruturas de nosso atávico colonialismo.