A publicitária paulistana Larissa Araújo sempre se incomodou com a ausência de pessoas negras nos espaços profissionais. Na agência em que ele trabalhava, na capital paulista, não era diferente, mas o que começou como um intervalo com outros colegas negros no horário de trabalho se transformou em diálogos e troca de experiências.

Sem que soubessem, os encontros eram uma espécie de reunião de pauta entre nove pessoas. Elas se deram conta de que aqueles temas poderiam interessar a muita gente, e, depois de três meses pensando nomes, ideias e abordagens, nasceu, em novembro de 2019, o podcast AfroPausa.  

“Surgiu esse momento do nosso falar, e percebemos que outras pessoas precisavam ouvir”, comenta Larissa. A comunicadora afirma que o AfroPausa, atualmente com seis integrantes, se esforça na missão de fazer com que pessoas negras se identifiquem com o que está sendo dito nos programas e se sintam parte do debate. O retorno, segundo ela, tem sido extremamente favorável: “As pessoas mandam muitas mensagens e depoimentos. Isso é algo que não esperávamos”. 

Os temas que pipocam nos programas semanais são variados: vão do mercado de trabalho e da necessidade de torná-lo mais plural até vivências pessoais, saúde, autoestima. O que vale é o assunto ser de interesse da comunidade negra. “Pode ter receita de bolo, podemos falar da cor preferida. Não quero acordar todo dia e só ter que resistir, resistir. A gente sofre muita coisa, mas é o que eu sempre falo: às vezes, a gente só quer existir”, destaca a publicitária.

Existir é uma palavra mais que importante para o jornalista belo-horizontino Tiago Rogero. É fundamental. No início deste mês, ele estreou o podcast Vidas Negras. O objetivo do projeto, que vai ao ar toda quarta-feira e já disponibilizou três de um total de 15 episódios, é sublinhar a existência, a trajetória e enaltecer a história de personagens negros – célebres ou não – que deram suas contribuições aos mais diversos campos do conhecimento: comunicação, literatura, filosofia, música, ciência, política e religiosidade, entre outros.

Grande Otelo, Mussum, Chica Xavier, Linn da Quebrada, Rene Silva e Carolina Maria de Jesus são alguns desses nomes. O terceiro episódio, por exemplo, joga luz nas trajetórias pioneiras das cientistas Enedina Alves Marques, primeira mulher engenheira do Estado do Paraná, e Sônia Guimarães, primeira mulher negra brasileira a ter doutorado em física.

“Queremos mostrar pessoas negras nas mais diversas áreas de atuação, pessoas de sucesso, que alcançaram seus objetivos artísticos e intelectuais”, diz o idealizador e apresentador do Vidas Negras.

Segundo o jornalista, que mora no Rio de Janeiro há dez anos, essas pessoas, mesmo com todas as dificuldades impostas pela sociedade racista, sempre ocuparam espaços dando vazão para suas genialidades. O Vidas Negras, produção do Spotify em parceria com a Rádio Novelo, quer contribuir para esse debate. 

“Outro efeito que queremos causar é o da valorização e do resgate do nosso passado. Tenho tido retornos muito positivos de pessoas que buscaram essa história dentro de suas casas. Para mim, isso é um super-resultado”, afirma Tiago Rogero, vencedor do Prêmio Vladimir Herzog com o podcast Negra Voz.

Representatividade  

“Somos nove e só trabalhamos com pessoas pretas”, afirma o publicitário Augusto Oliveira, editor-chefe e um dos integrantes do podcast O Lado Negro da Força, focado em cultura pop. Filmes, séries, quadrinhos, esporte, músicas, mas também assuntos como sexo e racismo permeiam os episódios, que já somam 85 e foram ao ar pela primeira vez em outubro de 2017. “Cultura preta é cultura pop. Falamos sobre tudo, tudo que fazemos é popular”, ele afirma.

Oliveira conta que sempre percebeu um problema de comunicação com a população negra no Brasil. “Hoje em dia, a gente consegue encontrar, mas há dez anos não tinha um site ou qualquer outra coisa que falasse sobre representatividade preta com propriedade e com pessoas pretas”, avalia. 

A importância do surgimento e do crescimento de podcasts e de outros meios de comunicação idealizados e apresentados por pessoas negras é enorme, ele ressalta. Para o editor de O Lado Negro da Força, a consequência disso é a criação de um senso de pertencimento e empoderamento: “Democratiza os meios de comunicação, conecta pessoas, e vozes são amplificadas”.

E sem essa de querer que apenas o público negro consuma os conteúdos dos podcasts. Para Larissa Araújo, é importante que os programas cheguem ao maior número de pessoas possível: “A diferença é o olhar: as pessoas pretas se identificam, as brancas buscam entender e ter novos pontos de vista”. 

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