Música

Relembre sucessos do choro, declarado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Gênero centenário é comemorado em 23 de abril, data do aniversário de nascimento de Pixinguinha, autor do clássico “Carinhoso

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 29 de fevereiro de 2024 | 20:37
 
 
 
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O bandolinista Hamilton de Holanda define o choro como "uma Mona Lisa", um clássico que nunca envelhece. Nesta quinta (29), o gênero centenário foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan. Aproveitamos a oportunidade para relembrar sucessos atemporais do choro, que tem o seu Dia Nacional comemorado na data de aniversário de Pixinguinha (23 de abril), sem dúvidas o seu mais ilustre representante. 

“Corta-Jaca” (cateretê, 1897) – Chiquinha Gonzaga

O piano tocava ao fundo de uma sala branca, indistinta, recatada. Não era possível saber do que se tratava, até ela adentrar o recinto. Uma mulher, feminina e ferina, pousava os dedos laicos sobre o piano. Uma mulher, e isso era tudo, e era um absurdo, até desacato.

Chiquinha Gonzaga enfrentou o piano, o pioneirismo lhe coube aos ombros, leves, bem costurados, mas que se tornaram alvo de indignação quando ela defendeu os escravos. Até o Carnaval passar e as alas se abrirem, muito choro se ouviu sob uma lua frouxa, que se desmilinguia quando as traições apareciam no caminho de Chiquinha Gonzaga.

De acordo com o crítico musical Carlos Calado, o cateretê “Corta-Jaca”, escrito por Chiquinha em 1897 para uma opereta, se tornou “uma das maiores contribuições ao repertório do choro”, como ele bem definiu no artigo “Choro: Uma Música Sentimental, Sofisticada e Muito Brasileira”, publicado em 2002.

“Apanhei-te Cavaquinho” (choro, 1915) – Ernesto Nazareth

Inicialmente designada como polca, “Apanhei-te cavaquinho” ganhou letra famosa de Darci de Oliveira e interpretação virtuosa da “Rainha do Choro”, Ademilde Fonseca, recebendo, a partir de então, a nova designação. Tal feito ocorreu em 1943, tendo sido antes composta no longínquo ano de 1915.

A quantidade de regravações e exaltações feitas à referida música exemplificam o valor irrevogável da obra de Ernesto Nazareth, definido por Heitor Villa-Lobos como “a verdadeira encarnação da alma musical brasileira” e, segundo o escritor Mário de Andrade, “um homem que merecia a alcunha de genial”.

Fã declarado de Chopin, Ernesto se notabilizou por não negar a qualidade musical que emergia de fora, mas, inserir a esse contexto, o que havia de mais buliçoso em termos de musicalidade brasileira, transitando entre o erudito e o popular.

“Tico-Tico no Fubá” (choro, 1931) – Zequinha de Abreu

“Tico – Tico no Fubá”, um dos choros mais regravados de todos os tempos, tanto no Brasil quanto no exterior, é uma obra prima de Zequinha de Abreu composta em 1931.

Em ritmo que faz lembrar o alvoroço dos pássaros em meio aos farelos do fubá, a música ganhou, mais tarde, duas letras diferentes: uma de Eurico Barreiros, lançada por Ademilde Fonseca, e a outra feita por Aloísio de Oliveira e lançada por Carmen Miranda.

Apesar disso, ambas conversam sobre o mesmo tema. Em tom de diálogo, as cantoras pedem ajuda para salvar o seu precioso fubá dos bicos dos famintos passarinhos. É um tico-tico no fubá que dá vontade de comer e dançar ao mesmo tempo.

“Carinhoso” (samba-choro, 1937) – Pixinguinha e João de Barro

Pixinguinha foi regente de várias orquestras, entre elas a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Oito Batutas e a Diabos do Céu. Suas inovações melódicas provocaram certa celeuma nos meios de imprensa, que não compreendiam tamanha sofisticação. Ao escrever um choro em duas partes, e não em três, como era costume, o próprio compositor sabia que seria alvo de reclamações.

Por isso mesmo, “Carinhoso” demorou 20 anos para tomar forma definitiva e alcançar sucesso irrevogável. O que só aconteceu quando João de Barro, o Braguinha, adentrou a ourivesaria de Pixinguinha e lapidou com versos a refinada harmonia de “Carinhoso”.

Desde a gravação de Orlando Silva em 1937, por recusa de Francisco Alves e quebra de compromisso de Carlos Galhardo, a música se tornou um dos maiores emblemas do cancioneiro brasileiro, com mais de 200 regravações, quebrando o preconceito com a delicadeza de Pixinguinha.

“Brasileirinho” (choro, 1949) – Waldir Azevedo e Pereira da Costa

Um estribilho é o suficiente para que as pessoas reconheçam “Brasileirinho”. A composição ocupa o primeiro lugar no ranking dos choros mais conhecidos do mundo. Escrito em 1949, cuja primeira parte mantém-se, praticamente, em uma corda, é tido como o primeiro choro de Waldir Azevedo.

A música nasceu por sugestão de um sobrinho seu, de dez anos. Brincando com um cavaquinho que só tinha uma corda, o garoto pediu-lhe que fizesse uma música que pudesse tocar, nascendo daí, em 1947, a primeira parte do choro. Contratado pela Continental, Azevedo estreou com “Brasileirinho”, que rapidamente alcançou um grande sucesso, sendo escolhida para fundo musical da propaganda de diversos candidatos em campanha eleitoral na ocasião.

Na esteira do sucesso, Ademilde Fonseca gravou-o em 1950, com letra de Pereira Costa, acompanhada pelo próprio Azevedo. Daí em diante, “Brasileirinho” seria regravado por dezenas de artistas, no Brasil e no exterior, podendo-se dizer que um espetáculo de choro não estará completo sem esta composição, de preferência no final.

“Pedacinhos do Céu” (choro, 1951) – Waldir Azevedo

Nascido na Piedade e criado no bairro do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, Waldir Azevedo é, até hoje, o maior nome do cavaquinho brasileiro. Apesar disso, ele demorou a se encontrar com o instrumento.

Começou tocando flauta e, em seguida, passou para o bandolim, só então assumindo o cavaquinho que o consagraria. Nesse meio tempo, também tocou violão. Mas foi com o inconfundível cavaquinho que ele criou “Pedacinhos do Céu”, uma das músicas mais bonitas do repertório de choro e que batiza um bar em Belo Horizonte.

“Doce de Coco” (choro, 1951) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho

Para manter viva a memória da música de Jacob, o produtor e pesquisador musical Hermínio Bello de Carvalho decidiu colocar letra em choros emblemáticos do compositor, anos após o seu falecimento.

Foi assim que, em 1980, nasceu a letra de “Doce de Coco”, lançada por Elizeth Cardoso, uma das cantoras mais próximas do mestre do bandolim, que dividiu disco, show e uma amizade com ele.

Assim, o “Doce de Coco” do choro de Jacob é o nome carinhoso pelo qual o personagem da história chama sua amada. Nos versos líricos ele implora, pede, se humilha para que ela repense o amor dos dois. A música ganhou regravações de Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Dominguinhos.

“Noites Cariocas” (choro, 1957) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho

“Noites Cariocas” foi gravado por Jacob do Bandolim em maio de 1957, com o regional de Canhoto, que o acompanhava na época. Apesar da excelência com que desenvolvia suas composições, o bandolinista ainda não vivia sua época de ouro, e acabou criando um certo rancor por Waldir Azevedo, que ocupou seu posto na gravadora Continental e obteve grande sucesso de público e crítica.

Três anos depois, Jacob regravaria o choro com o acréscimo do trombone do Maestro Nelsinho. Com seu estilo levado que remete bem ao samba, a música ganhou letra de Hermínio Bello de Carvalho em 1979, com regravações de Ademilde Fonseca, Gal Costa, Áurea Martins, entre outras. E se tornou o maior sucesso da carreira de Jacob.

“Fala Baixinho” (choro, 1964) – Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho

Sobre suas músicas, Pixinguinha dizia: “Elas vêm, só isso”. Assim ele veio e soprou a vida, e se foi no mesmo sopro de flauta e saxofone, menos de um ano depois de sua amada companheira Betty, numa cerimônia de batizado. Ainda viva, Betty não sabia que Pixinguinha estava internado no mesmo hospital que ela e lhe visitava de terno e buquê de flores na mão como se viesse de casa.

Antes de morrer, o músico ainda teve tempo de receber homenagens no Teatro Jovem, Museu da Imagem e do Som, Teatro Municipal e na Assembleia Legislativa, com as presenças de Clementina de Jesus, João da Bahiana e outros bambas. A última música foi feita para Eduardo, segundo neto, filho de seu único descendente, Alfredinho, que ele chamou de “Eduardinho no Choro”.

Em 1964, Hermínio Bello de Carvalho letrou um bonito choro do compositor, gravado belamente por Maria Bethânia em 1999, com uma determinação implícita: quando lembrar de Pixinguinha, “Fala Baixinho”, que o coração ouve.

“Choro Negro” (choro, 1973) – Paulinho da Viola e Fernando Costa

O perfeccionismo de Paulinho da Viola é sublinhado por Ausier Vinícius, músico e instrumentista mineiro, proprietário do “Pedacinhos do Céu”, point do choro e da comida mineira, localizado no bairro Caiçara, que viveu um episódio inusitado com o artista.

“Quando gravamos ‘Choro Negro’, ele me corrigiu uma nota, por ser um choro para cavaquinho muito bem elaborado”. A respeito do nome da canção, Ausier esclarece com história aprendida pela vivência com o parceiro de Paulinho.

“O Fernando Costa, que é o outro autor, me contou que estava com a Maria Bethânia na Alemanha em uma turnê, e, por ser cego, perguntou a ela como estava o dia. A resposta foi ‘negro’. Daí veio a inspiração”, conta.

*Bônus

“Uma Saudade – Ao Meu Xará” (choro, 2013) – Waldir Silva, Raphael Vidigal Aroeira e André Figueiredo

Waldir Silva nasceu em Bom Despacho, no dia 28 de maio de 1931, e morreu no dia 1º de setembro de 2013, aos 82 anos. Compositor e mestre do cavaquinho, ele conheceu o primeiro sucesso na década de 1950, quando o então Presidente da República Juscelino Kubitschek elogiou publicamente o choro “Telegrama Musical”, escrito em forma de código Morse, o que o levou a compor a trilha da primeira versão da novela “Pecado Capital”, da Rede Globo.

Depois de gravar discos instrumentais de choro e bolero, Waldir Silva foi homenageado em 2016, com o disco “Waldir Silva em Letra & Música”, quando suas melodias ganharam letra. “Uma Saudade: Ao Meu Xará” é uma homenagem de Waldir Silva a Waldir Azevedo, outro craque do cavaquinho, que ganhou a interpretação da cantora Natália Sandim.

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