Entrevista

Ricardo Pereira fala da paixão pelo Brasil e do vilão de 'Cara e Coragem'

Ator português, que estreou na TV brasileira em 2004, como protagonista da novela 'Como uma Onda', celebra a relação com o país e revela como faz para perder o sotaque da Terrinha

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 13 de junho de 2022 | 05:03
 
 
 
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Muito antes de fazer carreira na TV brasileira, Ricardo Pereira, 42, conhecia bem o país com o qual sempre teve uma relação próxima, apesar da distância oceânica que o separava de terras tupiniquins. Ainda na infância, em Lisboa, o português conheceu um pouco da nossa cultura pela televisão, nas novelas clássicas transmitidas por lá, como “Pedra sobre Pedra” e “Roque Santeiro”, e pela música popular de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Joana, Simone e Jorge Ben Jor. Além disso, o ator tinha notícias de familiares que haviam cruzado tanto mar para fazer vida no Brasil. 

“Eu sempre ouvia falar de um país que era muito longe e enorme. As mensagens chegavam por cartas, e eu reproduzia essas imagens nas novelas. Eu viajava pelo Brasil através das novelas e da música. Fiquei encantando pela diversidade cultural, pelas belezas naturais”, comenta.

Alguns anos depois, Ricardo Pereira pôs os pés, de fato, em solo brasileiro. A impressão foi a melhor possível. “Eu me encantei ainda mais por essa imensidão, essa pulsão. Vi uma natureza muito presente em todos os cantos do país, maravilhosa, diferente dos outros países que eu já havia visitado”, ele diz. 

Naquele tempo, Pereira já era ator com trabalhos em cinema, TV e teatro na Espanha, na França, na Holanda e em Portugal e teve certeza de que deveria voltar ao Brasil não só como turista. Tudo aconteceu meio por acaso. E quem conta é o próprio ator: “Eu já tinha trabalhado como modelo e era garoto-propaganda da Osklen. Vim ao Brasil para fazer o São Paulo Fashion Week. Um empresário me convidou para dar uma pinta no Rio. Acabei indo, e lá ele me perguntou se eu não queria conhecer o Projac, esse lugar tão emblemático, a cidade da televisão”, relembra o artista. 

No centro de produção televisiva da Globo, Ricardo Pereira se encontrou com o preparador de elenco André Reis. Estamos falando de 2004. Dois anos antes, a emissora havia precisado de um ator português para integrar o elenco de “Esperança”. Pereira fez o teste em Portugal, ficou entre os três finalistas, mas Nuno Lopes acabou sendo escolhido.

Quando o autor Walther Negrão decidiu que o protagonista de “Como uma Onda” seria estrangeiro e português, pela primeira vez na história da teledramaturgia brasileira, o nome de Ricardo Pereira naturalmente estava na lista. Ele fez outros testes e acabou sendo aprovado para interpretar Daniel, que vivia um triângulo amoroso com as irmãs Nina (Alinne Moraes) e Lenita (Mel Lisboa). Começava ali uma história que já dura 18 anos.

“O destino me trouxe ao Brasil. Minha expectativa e contentamento ao fazer ‘Como uma Onda’ eram enormes, a responsabilidade também. Quando tive noção de que nenhum estrangeiro tinha feito um papel de protagonista, arregacei as mangas e agarrei a oportunidade, lutei muito por ela. Aí foi o início de tudo, de uma linda história pessoal e profissional com o Brasil”, conta o ator.

Vilão em “Cara e Coragem”

Em quase 20 anos atuando no país, Ricardo Pereira integrou o elenco de quase 20 produções, entre novelas e minisséries, mas também esteve em filmes e espetáculos de teatro. Agora, o português vive o vilão Danilo em “Cara e Coragem”, novela das 19h da Globo. Sedutor, bonito, envolvente, estrategista e ambicioso, Danilo não é um vilão clássico, facilmente identificável. Ao mesmo tempo, o empresário coloca seu casamento com Rebeca (Mariana Santos) acima de tudo e faz o que for preciso para que ela recupere a guarda do filho Chiquinho.

As ambiguidades e contradições de Danilo são, segundo Ricardo Pereira, elementos que dão humanidade e profundidade ao personagem: “Ele acha que sabe o que é melhor para o outro, quase se sente divino. Quer mandar no destino dos personagens, e isso é perigosíssimo, no sentido de que ele revela ali o tamanho de sua loucura. Ele quer tocar no poder da criação. Mas também é um cara que brinca, fala e se veste muito bem, é envolvente, agregador. Você não sabe muito bem quem é essa pessoa”.

Em duas décadas na ponte área entre Brasil e Portugal, Pereira soube dosar os investimentos profissionais aqui e lá. Durante os tempos mais brabos da pandemia, o ator, casado com a marchand portuguesa Francisca Pinto e pai de Vicente, 10, Francisca, 8, e Julieta, 4 – os três nascidos no Brasil –, passou longos meses ao lado dos pais. “Éramos Seis” terminou no começo do isolamento social, e o artista aproveitou para voltar ao seu país.

Por lá, acabou fazendo “Revolta”, filme que estreou no início deste mês nos cinemas portugueses, e a novela “Amor Amor”, na qual vive o cantor romântico Romeu Santiago. O folhetim foi um enorme sucesso. A distância, o ator participou de um dos episódios de “Amor e Sorte”, série produzida pela Globo em 2020. Para gravar “Cara e Coragem”, Ricardo Pereira e família retornaram ao Brasil no segundo semestre do ano passado.

No país que o encantou na infância lisboeta, ele se sente em casa. Certa feita, uma fã parou o ator na rua e perguntou como ele fazia o sotaque português tão bem – à época, ele interpretava um personagem português em uma trama da Globo. “Este é o maior elogio que posso receber, porque é sinal de que ela me vê falando o português do Brasil muito bem”, diverte-se. De fato, Pereira consegue eliminar o sotaque de seu idioma pátrio após muito treino e sessões de fonoaudiologia.

“Já fiz personagens de sotaque português e brasileiro, em inglês, francês, espanhol, holandês e italiano. Tenho prazer em descobrir formas de me comunicar em línguas diferentes. No Brasil, tive muitos anos de fonoaudiologia, um trabalho muito intenso e detalhado”, pontua o ator.

Ricardo Pereira diz que falar o português brasileiro é algo completamente natural e automático para ele. Com Francisca, ele mantém o sotaque da Terrinha, já com os filhos acaba misturando os dois. “Para gravar, eu estudo muito o texto, faço minhas marcações e exercícios de preparação para esquentar a voz e o corpo”, completa.

Intercâmbio Brasil-Portugal

Com uma carreira bem-sucedida no Brasil, Ricardo Pereira é uma espécie de embaixador da cultura portuguesa por aqui e, ao lado de Giulia Buscacio, Maria João Bastos, Maria de Medeiros, Paulo Rocha e Pedro Carvalho, forma um time de artistas lusitanos que se destacaram em produções nacionais.

Essa “invasão” já acontece há um bom tempo. O que é mais novo é o movimento contrário: artistas brasileiros indo morar e trabalhar em Portugal. Por lá estão – para citar apenas alguns – Luana Piovani, Thiago Rodrigues, Marcello Antony, Tássia Camargo, Nina Moreno, Miguel Thiré, entre outros.

Ricardo Pereira vê a imigração brasileira em sua terra natal “com a maior das alegrias” e se coloca para fazer essa ponte nas duas direções: “São dois países maravilhosos, que devem caminhar culturalmente cada vez mais de mãos dadas. Quanto mais nos conhecermos melhor, mais parcerias vão surgir. Esse movimento tem acontecido de uma forma muito bonita”.

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