Após mais uma briga com a mulher, já no contexto de um casamento infeliz, o passeio de bicicleta, que parecia apenas uma válvula de escape, revelou-se o portal de uma nova vida. Afinal, foi por se perder, ao pedalar com a cabeça cheia daquelas tantas desavenças conjugais, que Paulo se encontrou na “floresta dos sussurros”, como é chamado o local em que homens, muitos deles anônimos e desconhecidos, habituados a levar uma vida paralela àquela experiência, se encontram para ter relações sexuais. Nesse refúgio em que julgamentos morais parecem suspensos, as nuvens cinzentas daquela união instável se dissipam enquanto Paulo se abre, como um céu de brigadeiro, à paixão fulminante por Luigi, um jovem rapaz que exala sexo e liberdade.

É a partir desse universo povoado pelo desejo e pelo encontro com o desconhecido – em nós e no outro – que se desenrola o romance “A Floresta dos Sussurros”, do realizador brasiliense Thiago Cazado, reconhecido pelo trabalho no cinema e no teatro com a temática LGBTQIA+, tendo assinado filmes como “Sobre Nós” (2017) e “Primos” (2019), além de peças como “Enquanto Todos Dormem” (2016). 

Agora, a exemplo da trajetória desses projetos pregressos, que também foram apresentados na capital mineira, o cineasta se prepara para lançar o novo título em Belo Horizonte nesta sexta-feira (16), no Cine Theatro Brasil Vallourec, nos arredores da praça Sete de Setembro, no centro.

“Eu amo BH e acho que a cidade é um bom termômetro. Por isso, gosto de levar tanto peças quanto filmes para esse lugar”, explica, pontuando que, nas outras experiências, teve suas produções recebidas por uma plateia “acolhedora, amorosa e reativa”. “As pessoas ficam realmente atentas e reagem às cenas, o que é muito gostoso de assistir”, diz. “Dessa vez, saindo do período do Carnaval, espero que as pessoas entrem na sala de cinema com a mesma alegria de quando estavam na folia”, complementa.

Múltiplos papéis

Outro aspecto comum entre este e outros trabalhos de Thiago Cazado é o fato de ele assumir diferentes papéis no projeto, atuando na produção, roteiro e direção, além de dar vida ao personagem Luigi. Na trama, ele contracena com o ator Léo Carius, que, vindo de uma relação heterossexual, vai se abrindo a atração homoerótica. Os dois estarão na première desta sexta-feira. 

“Na minha história de vida na arte, sempre foi assim. Já trabalhei muito sendo dirigido, mas, desde que comecei a produzir as minhas próprias peças, passei a assumir diferentes frentes, no bastidor e no palco. E, como aprendi a fazer as coisas acontecerem dessa forma, acabei levando isso também para o cinema”, reflete. 

“Além disso, eu noto que o meu público gosta de me ver em cena”, acrescenta, detalhando que, antes de rodar longas-metragens, ele costumava disponibilizar curtas no seu canal no YouTube, o que proporcionou um contato mais direto com sua audiência. “A partir disso, foi se formando um grupo de espectadores que, muito organicamente, passou a acompanhar os meus trabalhos”, explica.

Pesquisa de campo

No caso de “A Floresta dos Sussurros”, entre os vários papéis que assumiu à frente e atrás das câmeras,Thiago Cazado precisou se enveredar também em um trabalho de pesquisa de campo. 

“Como costumo trabalhar essa temática nos meus filmes, fico sempre com minhas anteninhas ligadas. Foi assim que cheguei a um lugar aqui em Brasília, que inclusive costuma ser chamado por esse nome (o título do filme). E eu achei isso interessante, instigante, sabe? É algo que desperta a curiosidade, além de ser um clássico: toda cidade tem um lugar onde as pessoas vão vivenciar sua sexualidade, que às vezes é mais suprimida, de forma mais livre, onde os julgamentos morais ficam suspensos e o que vale é a lei do desejo”, detalha. “Eu fui lá algumas vezes. E notei existirem personagens recorrentes, figurinhas repetidas, que sempre iam lá. Então, busquei falar com essas pessoas e até me inspirei um pouco nas suas histórias para construir personagens”, indica. 

Vale dizer que essa prática a qual Cazado se refere tem nome próprio: estamos falando do “cruising”, estrangeirismo usado para designar uma pegação gay em espaços públicos. A definição é do doutor em antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Victor Hugo de Souza Barreto, que abordou o tema em uma reportagem de O TEMPO sobre o “dogging”, prática sexual que também acontece em espaços públicos e também é pautada pelo encontro com o desconhecido. 

Na ocasião, o pesquisador detalhou que, diferentemente do “cruising”, em que homens sozinhos buscam um ou mais parceiros para o sexo, no “dogging” são casais, geralmente heterossexuais, que buscam explorar sua sexualidade diante de estranhos ou permitindo que eles também participem do deleite erótico.

No cinema

Não é a primeira vez que práticas sexuais consideradas à margem das normas moralizantes são retratadas no cinema. Em “O Fantasma” (2000), o português João Pedro Rodrigues registrou, com crueza, mais uma derivação do “cruising”, uma cena de “banheirão” – quando encontros sexuais entre desconhecidos acontecem em banheiros coletivos e vestiários. No nacional “Vento Seco” (2020), uma mata se torna o lugar de encontro para o sexo, retratado com realismo. Já na produção mexicana-estadunidense “Rotting in the Sun” (2023), os encontros eróticos acontecem em uma praia nudista, em clima hedonista e até com um quê de comicidade.

“Podemos retratar esse universo de diversas formas. Pode-se ir para um caminho moralista, pode-se ir para um retrato muito cru. Mas eu preferi evitar esses dois caminhos e direcionei a história – que, antes de tudo, é um romance – para uma investigação dos sentimentos dos meus personagens”, assegura Thiago Cazado. Em termos de fotografia, ele indica que “A Floresta dos Sussurros” se aproxima mais do longa francês “Um Estranho no Lago” (2012), que se passa em um lago, usado como destino naturista pela comunidade gay.

“São histórias muito diferentes entre si, mas, na forma de tratar as imagens, são parecidas por trazer cenas de nudez, inclusive frontal, mas sem pesar a mão, sem nada que soe grotesco”, situa o diretor e roteirista, detalhando que há, sim, algo de apreensivo que é intrínseco desse universo, que perpassa esse encontro com o desconhecido, mas pondera que o filme investe também em saídas cômicas, que emprestam mais leveza à narrativa. “Além disso, há pitadas românticas que deixam o público apaixonado pelo casal que protagoniza a história”, conclui. 

SERVIÇO:
O quê.
Exibição única de “A Floresta Dos Sussurros” com presença do elenco e do diretor Quando. Nesta sexta-feira (16), às 20h
Onde. Cine Theatro Brasil Vallourec (av. Amazonas, 315, Centro)
Quanto. A partir de R$ 15