Para quem gosta de saber a data exata, o centenário de Zé Kéti (1921-1999), um dos maiorais do nosso samba e figurinha marcante no álbum da música popular brasileira, será no dia 16 de setembro, mas a efeméride já ganha festa antecipada, e os palcos, agora reabertos, celebram a obra do bamba, que cantou o Brasil a partir dos versos de “Opinião”, “Voz do Morro”, “Diz que Fui Por Aí”, “Máscara Negra” e “Malvadeza Durão”, para citar algumas canções desse carioca da Portela.

Depois de passar pelas unidades do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, logo no primeiro mês de 2021, e nas últimas semanas por São Paulo e Brasília, a série “Zé Kéti: 100 Anos da Voz do Morro” (detalhes no fim da matéria) chega nesta quinta-feira (19) a Belo Horizonte.  

O cantor e compositor Moacyr Luz é um dos convidados. Ele esteve com Zé Kéti algumas vezes, lembrou em conversa com o Magazine na manhã de terça. Levemente rouco, resultado de quatro horas cantando em mais uma edição do projeto “Samba do Trabalhador”, criado por ele há 16 anos, Moacyr faz piada: “Ele nem lembraria meu nome se a gente se encontrasse amanhã na rua”.

Em seguida, o cantor volta ao início dos anos 90 e recorda as rodas de samba na rua Dona Maria, em Vila Isabel. Zé Kéti batia cartão com muita frequência por ali. “Ele aparecia com um terno vermelho, eu o procurava pelo terno no meio daquele tanto de gente. Ele, meio tímido, sempre ia e, como surgia, desaparecia”, diz. 

Moacyr Luz celebra o fato de poder, aos poucos, retomar a rotina nos palcos, e tudo fica ainda mais especial se o show homenageia um compositor que o influenciou imensamente. Com o quarteto Sururu na Roda, Moacyr se apresenta no sábado. Com o tributo, o sambista considera que a importância de Zé Kéti para a música popular será reafirmada: “Fico impressionado como Zé Kéti não costuma figurar na lista dos principais compositores do Brasil. Quando você se debruça na obra dele, vê a quantidade de músicas que ele fez, mas que as pessoas conhecem na voz de outros intérpretes. Zé Kéti fez músicas fundamentais para diversos momentos de nossa vida, ele é um gênio”. 

A programação de “Zé Kéti: 100 Anos da Voz do Morro” também contempla a versatilidade do compositor e aborda sua relação com o cinema. Nesse aspecto, quem discorre sobre o tema é Zé Renato, que, ao lado do pianista Cristóvão Bastos, fará uma espécie de palestra-show em “Zé Kéti, Samba, Carnaval e Cinema”.

“Zé Kéti teve uma ligação muito forte com o Cinema Novo especialmente, quando ele conheceu o Nelson Pereira dos Santos. Ele tem uma obra musical gigantesca, uma trajetória muito interessante, tinha esse lado de ser um artista inquieto e faz parte da história dos que ajudaram a construir o caminho da música brasileira e que continuamos percorrendo graças a compositores como ele”, comenta o capixaba. 

No show, Zé Renato sublinha a participação de Zé Kéti em dois longas de Nelson Pereira dos Santos: como ator em “Rio, 40 Graus”, de 1955, que tem “A Voz do Morro” como trilha sonora; e “Rio, Zona Norte”, lançado dois anos depois, cuja história gira em torno de um compositor, vivido por Grande Otelo, que batalha para ter suas músicas gravadas e foi livremente inspirada na vida de Zé Keti, que também escreveu músicas para o filme e acabou atuando nos bastidores da produção. “Nesse filme tem dois sambas dele: ‘Foi Ela’ e ‘Malvadeza Durão’”, acrescenta Zé Renato.  

Antenado

A experiência de Zé Kéti no teatro, com o espetáculo “Opinião”, interpretado também por Nara Leão e João do Vale e dirigido por Augusto Boal, terá destaque no show. A peça, crítica aos problemas sociais do país, estreou em dezembro de 1964, meses após o golpe militar, com o mesmo nome de uma das canções do carioca. “Esse espetáculo é importantíssimo e mostra como Zé Kéti estava antenado à realidade brasileira, especialmente onde ele circulava, que eram os morros, lugares de gente simples”, comenta Zé Renato. Coincidentemente, o álbum do ex-Boca Livre que festeja a obra de Zé Kéti, “Natural do Rio de Janeiro”, completa 25 anos em 2021. “Músicas desse disco também estarão no show”, ele pontua. 

A obra de Zé Kéti faz parte da vida de Nilze Carvalho de forma tão natural desde a infância, quando o pai músico a apresentou a um monte de cantores, que ela nem se lembra quando foi exatamente que topou pelas primeiras vezes com as melodias de seu conterrâneo. No começo dos anos 2000, Nilze e o Sururu na Roda, do qual era integrante, eram da turma que puxou o movimento que revigorou a cena de samba na Lapa, no Rio.

O Casuarina também estava naquela reinvenção, e é com o quarteto que a cantora fecha, no domingo, a programação de “Zé Kéti: 100 Anos da Voz do Morro”. Uma das faixas que eles vão apresentar será “400 Anos de Favela”, que o Casuarina gravou em 2005.  

“A obra dele dá muito pano pra manga, é muito ampla, e esse tipo de tributo é fundamental”, ressalta a compositora. Nilze Carvalho não chegou a conhecer o homenageado, mas tem certeza de que o centenário de José Flores de Jesus, o Zé Quieto, que virou Zé Kéti na adolescência, será muito representado nos quatro dias de evento. “Ele merece e ficaria muito feliz de ver o palco e o teatro cheios com sua música”, garante a musicista.  

Programação 

De quinta a domingo (22), sempre às 20h, “Zé Kéti: 100 Anos da Voz do Morro” apresenta shows de João Cavalcanti e Fabiana Cozza, Zé Renato e Cristóvão Bastos, Sururu na Roda e Moacyr Luz e, no último dia, Casuaria e Nilze Carvalho, que homenagearam o mestre do samba. A programação será presencial (R$ 30 e R$ 15 pelo site eventim.com.br) ou online nos mesmos dias e horários das sessões com plateia e com transmissão pelo canal do Banco do Brasil no YouTube.