Seus dois primeiros livros, “No País de Obama” e “Haiti, Depois do Inferno”, foram memórias de repórter. O terceiro, “Aparecida”, alcançou o grande público. No total, são 12 livros publicados, sendo três de ficção e nove de não ficção e mais de 1 milhão de exemplares vendidos. Rodrigo Alvarez, jornalista e escritor, acaba de relançar “Maria”, com novas ilustrações e prefácio do padre Bessa, de Jerusalém.
Qual foi o livro mais vendido? “Aparecida”, “Maria” e “Jesus, o Homem Mais Amado da História” são até hoje os livros mais procurados. Logo no começo da pandemia, eu lancei a ficção “O Primeiro Imortal”, que teve 10 mil livros impressos e a edição se esgotou. Considero que esse livro foi um sucesso e terá novo momento, agora sem pandemia, com relançamento previsto para 2025. É um thriller que conta a história de um Homo sapiens de 38 mil anos atrás que é encontrado congelado nas profundezas do gelo da Sibéria e, ao voltar a viver, conecta o nosso tempo presente ao começo da nossa história.
O que levou um jornalista a enveredar pelos caminhos da fé? Na realidade, não enveredei pelo caminho da fé, mas sim da história da fé. Há uma grande diferença nisso, pois meus livros são resultado de pesquisa e estudos profundos, além de muitas viagens aos lugares sagrados do mundo – o que continuo fazendo com o projeto Jornada Infinita, que vem tendo bastante êxito no YouTube. Em menos de dois anos, o canal já tem mais de 400 mil seguidores e continua crescendo.
Você se considera cristão? Em todos os aspectos, sou cristão. Minha forma de entender Deus pode ser diferente, pois entendo que evoluímos, e isso me leva a ver o mundo de uma perspectiva que os cristãos de 2.000 anos atrás não podiam nem pensar em ter, mas os valores propagados a partir de Jesus Cristo e a maneira cristã de viver são partes inseparáveis da minha formação.
“Maria” foi lançado há dez anos. O que há de novo nesta nova edição? O livro traz ilustrações novas, uma apresentação da Ana Maria Braga e uma introdução do padre Bessa, dois amigos que a vida trouxe justamente por causa dos livros e da pesquisa histórico-religiosa. Além disso, ao longo desses dez anos, pude fazer algumas revisões e tornar o conteúdo ainda mais claro, pois a clareza é um dos elementos fundamentais da minha literatura, algo que busco com muito critério para que meus livros possam ser realmente um divisor de águas na compreensão que os leitores têm, nesse caso, sobre a história da mãe de Jesus. E acho importante lembrar que o leitor vai encontrar em Maria não só a biografia, mas a história de tudo o que aconteceu depois de Maria, e finalmente entender como aquela mãe que o evangelho de João sequer chamou pelo nome se tornou a mulher mais importante da fé cristã e, por isso, uma das mais importantes da história da humanidade.
Maria foi praticamente ignorada pelos evangelistas e historiadores. Quando ela conquista o título de Nossa Senhora, Mãe do Mundo? Conto isso em detalhes no livro. E não foi nada fácil! Foi preciso um Concílio em Éfeso (atual Turquia) no ano 431 d.C., com muitas mortes e excomunhões de religiosos importantes, para que a parte da Igreja que saiu vencedora pudesse proclamar Maria como a “Theotokos” – que em grego significa “portadora de Deus”. Esse primeiro título foi aos poucos ganhando novas formas e, assim, carinhosamente, surgiu a ideia de Mãe de Deus que vai chegar a muitos cristãos. Ao falar disso, no entanto, precisamos destacar o papel fundamental de uma mulher que foi praticamente esquecida pela história: quem conseguiu tirar Maria dos cantinhos das igrejas para torná-la o centro de uma devoção que hoje conhecemos como “mariana” foi a imperatriz-regente Pulquéria (399/453d.C.), irmã do imperador Teodósio Segundo, que ensinou o mundo a realizar procissões dedicadas exclusivamente a Maria e construiu igrejas também dedicadas exclusivamente a ela. Pulquéria foi peça fundamental no Concílio de Éfeso, e podemos dizer que, sem ela, Maria não seria chamada hoje de “Mãe de Deus”.
Você considera que a devoção mariana ainda se mantém forte nos países cristãos? Sim, ela continua central para a fé dos católicos do mundo inteiro. É importante também dentro de outras igrejas; mas, por causa de sua forte relação com a Igreja Católica, o protestantismo que mais tarde resultou no neopentecostalismo evangélico escolheu tirar Maria dos lugares mais sagrados de seu cristianismo. Então, com o mundo cristão dividido entre católicos e evangélicos, podemos dizer que Maria segue importantíssima em uma parte do mundo cristão, mas com uma força ainda impressionante. Um exemplo disso é a peregrinação cada vez maior aos santuários marianos e locais das aparições (confirmadas ou não), como Medjugorje, na Bósnia. Sem falar na Casa de Maria em Éfeso, que vem se tornando um dos principais lugares de peregrinação cristã em todo o mundo – mesmo sem qualquer comprovação histórica de que Maria tenha ido até lá.
Afinal, onde morreu Maria, com que idade e onde está enterrada? Você me fez a pergunta mais difícil, e por isso também uma das mais interessantes. A primeira coisa que preciso dizer sobre isso é que temos um documento histórico muito valioso que nos informa que, no século IV, ou seja, 400 anos depois de sua morte, nem as maiores autoridades cristãs tinham essa resposta. Felizmente, no fim do século passado, o papa João Paulo II resolveu botar um ponto-final na tradição que dizia que Maria não tinha morrido. O papa sentenciou que, se Jesus enfrentou a morte, Maria também passou por isso. “A experiência da morte enriqueceu a pessoa da Virgem”, disse o papa. Mas ele, no entanto, preferiu não afirmar o local da sua morte. No livro, eu apresento as duas teses mais fortes: a de que Maria foi para Éfeso com o apóstolo João e lá morreu; e a de que Maria ficou em Jerusalém com os apóstolos e foi enterrada no Vale de Josafá, também conhecido como “Vale do Julgamento Final”, onde até hoje há um túmulo vazio. No livro eu desvendo esse mistério. Sobre a data da morte, teria sido alguns anos depois da crucificação, mas ninguém tem certeza. As fontes cristãs mais antigas que temos nos informam que sua morte teria acontecido entre os 45 e os 59 anos de idade.
Como seria a história se Maria tivesse recusado a proposta do arcanjo Gabriel em gerar o Filho de Deus? Este foi o “sim” mais importante da história cristã, mas não veio sem consequências duras, que levaram a um grande abalo no casamento de Maria com seu prometido noivo José. A resposta teológica a essa questão, imaginando que Maria pudesse ter recusado a gravidez, não é algo que eu me sinta preparado para especular. A resposta com embasamento histórico é que a grande decisão que teve consequências sobre o futuro da humanidade foi a de José. Pois ele tinha tudo para recusar Maria e fazer dela uma indigente, ou, pior ainda, uma mulher condenada à morte. E isso quase aconteceu. Depois de rejeitar Maria e vê-la ir passar três meses na casa de uma parente distante, José resolveu aceitá-la e criou o menino como se fosse seu filho. Se José tivesse dito “não” a Maria, ou ao anjo que os evangelhos nos contam que lhe apareceu, a menina grávida provavelmente teria sido apedrejada até a morte, conforme a lei judaica, e Jesus provavelmente teria morrido ainda em seu útero. Mas será mesmo? Em história, “se” é algo que inexiste, e o fato é que Maria e José disseram “sim” ao desafio que o destino lhes apresentou e criaram juntos o menino que mudou nossa história para sempre.
“Maria: A Biografia da Mulher que Gerou o Homem Mais Importante da História, Viveu um Inferno, Dividiu os Cristãos, Conquistou Meio Mundo e É Chamada Mãe de Deus”
Rodrigo Alvarez
Editora Record
240 páginas
R$ 46,39.