Nascido em 1975, no Jardim Martinica, bairro pobre da zona sul paulistana, o artista Eduardo Kobra tornou-se um dos mais reconhecidos muralistas contemporâneos, com painéis em mais de 30 países, sendo 53 murais somente nos Estados Unidos e 18 em Nova Iorque, em locais importantes como as fachadas do World Trade Center e da Organização das Nações Unidas e a Disney.

“Tinha 12 anos quando fiz minha primeira intervenção na rua. Usei stencil e spray, muitas vezes só escrevendo o meu nome, e segui como muita resiliência, coragem, dedicação, força de vontade, perseverança e fé. Completo agora 50 anos. São mais de 38 anos ininterruptos dedicados à arte. Sou autodidata, estudei até o terceiro colegial, e a criação me possibilitou avançar no conhecimento”, comenta o artista.

Ele se orgulha dos frutos de seu trabalho. “Estou viajando para a Itália, onde vou pintar um novo painel. É algo relevante, deixar minha marca em um país que é considerado o berço da história da arte e da preservação de seu patrimônio histórico, cultural e urbano.

Em San Marino, pequeno país medieval e histórico cercado pela Itália, fiz um mural de cerca de 2.000 m². Já estive no Japão, na Índia e nos Emirados Árabes”, contabiliza.

Kobra tem o mundo de braços abertos para sua arte, mas é contemplando o passado que ele projeta seu futuro. “Minha trajetória foi marcada por uma série de desafios: depressão, ansiedade, doenças causadas pelo uso constante de tintas e dificuldades financeiras. Houve momentos de abandono, solidão e desespero em que me vi em encruzilhadas, sem enxergar alguma solução. Foi nesse cenário que encontrei em Jesus força e direção. Isso ocorreu pela fé”, relembra.

E emenda: “Ele me resgatou com seu olhar misericordioso, e em Seus ensinamentos ressignifiquei minha vida e minha arte. Ele trouxe luz, paz, renovação, esperança e salvação para minha vida”, diz o artista, que, recentemente, pintou o mural “Jesus”, na fachada externa da Igreja Batista da Lagoinha, em Alphaville, São Paulo.

“Este não é apenas um mural, é um testemunho que simboliza o amor de Deus, a esperança em recomeços e a superação de adversidades. Quero que todos que a contemplarem se lembrem que, aos olhos de Deus, somos preciosos, não importa quão difícil seja o caminho. Ele nos vê, nos guia e nos cura”, sentencia o artista.

Para criar esse mural, seu grande desafio foi encontrar a face de Jesus. “Nos olhos Dele se reflete o momento da crucificação – as três cruzes”, afirma o muralista.

Kobra não se rotula em termos de religião. “Meu posicionamento está relacionado a Jesus Cristo, em suas palavras, mandamentos, conduta, ética; enfim, em Seu legado. É isso que conduz minha carreira, minha vida, meu relacionamento familiar e meus princípios de vida”, sustenta.

Além de “Jesus”, Kobra pintou o mural “A Mão de Deus”, o primeiro com a temática cristã, no Minhocão, em São Paulo. “Durante a pandemia, tive uma filha que nasceu e morreu 12 horas depois. Foi um momento muito duro, triste. Entrei em depressão profunda, senti muita angústia. Eu não consegui mais sair de casa, pintar, trabalhar. Tudo ficou escuro. Me senti naufragando e tive que declinar de várias possibilidades de trabalho devido ao meu estado emocional e psicológico”, revela.

Mas foi buscando a palavra de Deus, se “aprofundando nos Evangelhos”, que ele pôde “ser curado” e retornar à “sua vida normal”. “Eu ainda estava lutando com isso quando eu pintei este mural, com 7 m de largura por 33 m de altura, no alto desse prédio”, conta o artista.  

O processo de criação de Kobra, um ativista da paz, se dá também no campo da renúncia. “Jesus é minha fonte de inspiração. Eu tinha uma vida diferente antes de ter essa aproximação com os Evangelhos. Percebi que poderia ser artista e não me envolver com drogas e bebidas, que poderia ter uma esposa, ser fiel a ela, ter filho, que é o Pedrinho, hoje com 8 anos. Independentemente das aflições, das dificuldades, da dor, do sofrimento, resolvi seguir as palavras de Jesus e tenho Ele como meu guia. Essa foi minha melhor decisão de vida”, comenta Kobra.

Pertencimento, representatividade, respeito, tolerância e coexistência são temas recorrentes nos murais dele. “Um deles está na Igreja do Calvário, na praça Benedito Calixto, em São Paulo. É um mural com crianças de várias religiões juntas. Acho fundamental respeitar os posicionamentos das pessoas, mas acredito que nós, muito mais do que falar, temos que agir. Tenho obrigação de respeitar a Deus, e falar Seu nome é uma grande responsabilidade. É preciso ser sal na terra e fazer algo diferente. E, para esse diferente, eu só encontro inspiração na palavra de Deus”, observa.

Criar é a grande paixão de Kobra. “A arte tem o poder de transformar as cidades, o país, mas também quem a faz e todos que têm contato com ela”. Pergunto qual seu sonho. “Meu trabalho está conectado aos meus valores, e ele não existe sem a mensagem, sem significado, sem propósito. Tudo isso está refletido em meus murais. Mas a materialização desse posicionamento está na criação do Instituto Kobra, sem fins lucrativos”, conta.

O artista já conseguiu a concessão, durante 20 anos, de um espaço de 8.000 m² na cidade de Itu. “Lá eu tenho o meu ateliê, aberto ao público. O instituto já está atuando de forma remota, e já fizemos várias ações pelo país. A ideia é a transformação através da arte, utilizá-la para ajuda humanitária e solidariedade de todas as formas. A próxima etapa é a construção da sede do instituto nesse espaço. Estou buscando apoio para transformar esse esboço em arte final”, finaliza Kobra.