Imigração italiana

Cozinha ítalo-mineira à mesa: chefs mesclam referências das duas culturas

Pratos reverenciam a existência da gastronomia que funde o que de melhor existe nos dois territórios: Minas Gerais e Itália

Por Lorena K. Martins
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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As malas puídas dos italianos que chegaram a Minas Gerais na virada do século XIX para o século XX não carregavam quase nenhum ingrediente. Afinal, toda a comida que os imigrantes conseguiram acumular foi devorada nas longuíssimas viagens de navio que os traziam da Europa para o Brasil. Mas, se faltavam insumos, as bagagens trouxeram técnicas, receitas, preparos e práticas que se mesclaram à gastronomia que já existia aqui, altamente influenciada pelas cozinhas indígena, tropeira e colonial.

 

Portanto, não é absurdo reconhecer e reverenciar a existência de uma cozinha ítalo-mineira, que funde o que de melhor existe nos dois territórios. “É uma cozinha italiana feita da forma que os mineiros gostam de comer e com os melhores produtos mineiros que temos disponíveis”, explica o chef Leo Paixão, à frente do restaurante Ninita, que ele define como uma cozinha autêntica ítalo-mineira, em homenagem à sua bisavó de ascendência italiana, mas nascida e criada em Diamantina (MG). “Ninita era uma mineira legítima, com uma pitadinha de nonna”, relembra o chef.

 

A união dos dois territórios é vista em pratos disponíveis no menu, como polenta cremosa de queijo meia-cura com ragu de galinha à moda pinga e frita, quiabo e ora-pro-nóbis, risoni de mocotó com língua na brasa e o tiramisù de bombocado com creme de queijo do serro e mousse de chocolate.

 

Tiramisù de bombocado com creme de queijo do Serro  e mousse de chocolate, do restaurante Ninita (Foto: Rubens Kato/divulgação)

 

Neto de italianos, o chef Américo Piacenza inaugurou a Cantina Piacenza, em Belo Horizonte, em 2008. Ele conta que a sua cozinha é um reflexo da vinda da sua avó paterna, da região da província de Salerno, ao Brasil. “Quando ela chegou e começou a cozinhar, não tinha os mesmos ingredientes, os mesmos tomates que existiam na Itália. Ela foi adaptando as receitas desenvolvidas com os ingredientes encontrados aqui”, conta Américo, que segue, há 16 anos, as mesmas tradições. “Minha cozinha é sazonal, local e com a procura de tudo que está próximo de nós”, diz.

 

Pappardelle com carne de sol, requeijão e crocante de couve da Cantina Piacenza (Foto: Fred Magno)

 

O chef e gastrônomo Eduardo Maya, à frente da Pitza 1780, contextualiza sobre a realidade do rótulo. “Cozinha ítalo-mineira é uma realidade em Minas, principalmente em BH, devido à forte imigração italiana que tivemos. Com a dificuldade de encontrar produtos italianos por aqui, tiveram que improvisar e construir uma fusão gastronômica entre os dois países. Um exemplo é a pizza de bolonhesa com palmito, que é típica de BH e não existe na Itália”, explica.

 

Chef Eduardo Maya, à frente da Pitza 1780: Técnicas italianas e coberturas com ingredientes mineiros (Foto: Victor Schwaner/divulgação)

 

Herança

 

Na Cantina Piacenza, essa fusão é vista em pratos como o pappardelle com carne de sol, requeijão e crocante de couve; risoto de queijo canastra com redução de aceto e rapadura; e o ravióli de queijo e espinafre ao molho sugo, receita que é lembrança da própria avó. Além das técnicas, os italianos trouxeram a tradição da mesa cheia, da fartura e da comida afetiva. “Quando os italianos vêm até aqui, que é um restaurante italiano fora da Itália, eles chegam com esse desejo de comer uma comida de mãe, de família. E o que eles encontram aqui é uma cozinha de mãe, só que é a da minha mãe, que é mineira”, resume Américo.

 

Ravioli de taioba recheado com queijo Canastra e requeijao cremoso ao molho sugo da Cozinha da Vó Anna (Foto: Davi Vieira/divulgação)

 

A Cozinha da Vó Anna, outro reduto inspirado na matriarca da família de Fernanda de Lazari, idealizadora do estabelecimento, se vale das memórias da matriarca da família para oferecer pratos autorais no restaurante, que fica dentro do Mercado Novo. Fernanda conta que Anna, sua avó, casou-se com Zé, seu avô, italiano, e, desse casamento, o reflexo veio na comida. “Eles tinham a tradição de produzir a própria massa para o almoço de domingo. Era o famoso macarrão com ‘franguinho suado’, feito na panela de pedra”, relembra ela.

 

Ao falar sobre a cozinha que se propõe a fazer, passada de geração em geração, ela menciona ingredientes, técnicas e pratos tradicionais, que se entrelaçam nessa fusão culinária entre Itália e Minas Gerais. “A culinária italiana é simples e conseguiu se democratizar no Brasil. Sua principal característica é a utilização de ingredientes frescos e de fácil preparo. Já a culinária mineira, com toda a sua simplicidade, oferece pratos extremamente saborosos. A união das duas resulta em pratos de cores e sabores marcantes”, explica Fernanda, que lança mão de ingredientes como taioba, costelinha e pernil de panela e o queijo canastra como base na criação dos pratos e massas artesanais

 

Valorização do local

 

O chef Bruno Leonel Albergaria, do restaurante O Italiano, também concorda sobre a valorização do produto local e a sazonalidade dos ingredientes, que é um dos pontos de intersecção entre as duas culturas gastronômicas em Minas e na Itália. 

 

Apesar de trazer muitos produtos importados do próprio país da bota – como as autênticas trufas italianas – para a criação dos pratos, algumas receitas são reflexo da imigração em território mineiro, como a costela de porco assada em baixa temperatura, com polenta cremosa e couve grelhada. 

 

Costela de porco assada em baixa temperatura, com polenta cremosa e couve grelhada do restaurante O Italiano (Victor Schwaner /divulgação)

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