“Antigamente, divórcio ou viuvez era o fim da linha, agora pode ser o começo de uma nova etapa.” Com essa frase, a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano, introduz seu olhar sobre a evolução da mulher brasileira na sociedade. O percurso do sexo feminino ao longo da história foi marcado por opressão e delineado por inúmeras batalhas, que contribuíram para as disparidades de gênero e de oportunidades nos dias atuais.
No entanto, no meio do caminho, alguns direitos foram arduamente conquistados, como o de votar, de ter acesso à universidade, de romper legalmente um casamento, dentre outros. Hoje, os frutos dessas lutas podem ser experimentados por mulheres 50+, que se abrem ao empreendedorismo, a uma nova carreira ou mesmo optam por se aposentar. De acordo com a pesquisadora, é como se o presente fosse um reflexo do desbravamento do passado.
“Acredito que esse movimento de busca por espaço e voz das mulheres 50+ começou com uma revolução de jovens nas décadas de 60/70. Mais precisamente, após o ano de 68, quando as mulheres decidiram estudar, ter menos ou não ter filhos, entrar para o mercado de trabalho, se divorciar, dentre outras coisas. As jovens daquela época são as que têm acima de 50 hoje,” explica Camarano.
A pesquisadora destaca que essas mulheres são muito diferentes, mas todas viveram grandes transformações. Por exemplo, elas pegaram o tempo do orelhão com ficha até o do celular mais moderno. “Viram a sociedade evoluir e as distâncias se encurtarem. Em 72, por exemplo, começaram a aparecer de mini saia. Por isso, hoje, ao mesmo tempo em que essas mulheres colaboram para mudança da sociedade, elas podem ser vistas como resultado dessas transformações.”
O caminho não indica mais regresso, pois segundo Ana Amélia, a sociedade não vai mais para uma única direção. “Hoje, dificilmente a mulher vai deixar o trabalho para “voltar para casa”, porque quase 50% da renda das famílias são frutos do emprego delas. Então, nesse sentido, acho difícil termos um retrocesso. Para isso, é importante também investir em políticas de reparação, a fim de diversificar o mercado de trabalho e a sociedade.”
Crédito da arte: Rose Braga/ Editoria de Arte de O Tempo
Um levantamento feito pelo Sebrae, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ilustra a importância da ocupação da mulher para o sustento de sua família. O estudo, divulgado este ano, revela que mais da metade das empreendedoras brasileiras (51%) desempenham a posição de “chefe de domicílio”. É o maior nível em seis anos. Em 2016, 41% delas eram as principais responsáveis pelos proventos da casa.
Diante disso, o empreendedorismo aparece como uma estrada de subsistência. Mas, muitas mulheres não conseguem dar esse passo sozinhas. “O que falta agora é botar outras nesse caminho. Você vê, por exemplo, mulheres vítimas de violência doméstica e de outros crimes que pagam o preço por querer seguir suas vidas, principalmente, as negras e pobres, que continuam dependendo do marido e/ou que não puderam estudar. Elas tentam dar um salto, mas não conseguem. Então, mesmo sendo um caminho para todas, nem todas dão conta de segui-lo,” ressalta Camarano.
A violência doméstica citada pela pesquisadora, aliás, é uma realidade no Brasil. De acordo com a série histórica da pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, quase 51 mil mulheres foram violentadas - física, moral, sexual ou psicologicamente. O público 50+ representa cerca de 26% dessas vítimas.
Pontes acessíveis
Se de um lado há preconceito e desrespeito, do outro, existem redes de apoio que funcionam como pontes para mulheres acima dos 50 anos. São ONGs ou coletivos voltados para cuidar, incentivar e capacitar pessoas dessa faixa etária. O Grupo Cultural Meninas de Sinhá, no Alto Vera Cruz, na região Leste de Belo Horizonte, é um deles. O que começou como uma reunião de mulheres para vivenciar saberes populares, se transformou em uma organização que oferece cursos e oficinas direcionados para esse público.
Fundado em 2014 por Valdete da Silva Cordeiro, símbolo de luta e resistência da mulher negra, o projeto tem dois eixos: o de cultura e vivência, e outro, de formações e capacitações pessoais e profissionais. Segundo a coordenadora do Meninas de Sinhá, Patrícia Lacerda, as mulheres 50+ podem participar de cursos como: educação financeira, musicalização, artesanato, redes sociais e tecnologias, dentre outros. Alguns desses ensinamentos também são estendidos para toda a comunidade.
“A gente executa os cursos nos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região. As pessoas demandam e nós atendemos. Também, atualmente, através do fundo municipal do idoso, a gente está desenvolvendo o projeto Semeando Saberes Ancestrais. Dentre as atividades, estamos promovendo um encontro das mulheres bordadeiras do Vale Jequitinhonha - uma mesorregião de Minas - com as meninas de Sinhá,” conta Patrícia.
Para saber mais sobre O Grupo Cultural Meninas de Sinhá e o Semeando Saberes Ancestrais e descobrir as oficinas com inscrições disponíveis, basta acessar saberesancestrais.org.br.
Confira outros grupos, coletivos e rede de apoio a mulheres 50+:
Casa da Chita
Projeto reúne mulheres para confecção de peças com bordado em fitas. Instagram:@casadachita
Rede Mulher Empreendedora
O instituto é focado na capacitação de mulheres em situação de vulnerabilidade. Site:rme.net.br
Maturi
A plataforma de procura e oferta de vagas é voltada para profissionais com mais de 50 anos e oferece também oportunidades de capacitação, empreendedorismo e networking. Site:maturi.com.br.
Labora
A startup foi criada em 2019 para escalar a inclusão da diversidade em empresas, apoiando-se no tema da longevidade. A instituição desenvolve uma tecnologia que une as competências e propósitos de talentos aos mais complexos desafios de negócios. Site:labora.tech
Sebrae Delas
Programa de aceleração tem o objetivo de aumentar a probabilidade de sucesso de ideias e negócios liderados por mulheres. Instagram:sebraedelas.minas