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Foto: (Cultura do ‘bico’ é realidade para muitos brasileiros / Reprodução)

No vaivém do trânsito, trabalhadores estão cada vez mais vulneráveis

Cultura do ‘bico’ é realidade para muitos brasileiros

Estudo da Amobitec mostra que das 1,6 milhão de pessoas que atuam em apps de transporte ou entrega, 43% estavam desempregadas antes de começar nas plataformas

Por Cristiana Andrade e Queila Ariadne Publicado em 31 de maio de 2023 | 08h00

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Apesar de o mundo todo debater a acentuação da precarização de trabalho envolvendo os serviços de transporte por aplicativos, no Brasil essa realidade é cotidiana para milhares de pessoas. “Aqui vivenciamos a viração, o bico, o sobreviver na diversidade e o circuito inferior da economia urbana. Os trabalhos com baixa qualificação demandam muita gente, remuneram pouco e têm a lógica de manter todo mundo trabalhando e ganhando, o que permite o funcionamento da vida social”,afirma o geógrafo e pesquisador Fábio Tozi, coordenador do Observatório das Plataformas Digitais da UFMG.

 

Levantamento feito pelo Cebrap para a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como 99, iFood, Uber e Zé Delivery, mostra que das 1,6 milhão de pessoas trabalhando para aplicativos de transporte ou entrega, 43% estavam desempregadas e 57% tinham atividade econômica antes de começar com os apps. Entre os desempregados, 26% tinham atividade e a abandonaram para ficar só no app e 31% mantiveram sua ocupação.

 

“Teoricamente, esses profissionais são livres, com flexibilidade de horários, mas pela média de horas de trabalho/dia, têm de rodar de segunda a segunda, já que a principal fonte de renda da maioria é o app. Além do custeio do carro e combustível, eles não têm pausa para comer ou ir ao banheiro e a maioria nem sabe qual sua renda líquida. Reféns desse trabalho, convivem com aprovação, cancelamento, índices de performance, e não conseguem se desvencilhar das plataformas, que têm várias regas, mas que não oferecem regulamentação que os beneficie”, diz Tozi. 

 

O pesquisador comenta que tenta obter oficialmente dados com as empresas de apps, sem sucesso. “Trabalhamos numa sombra empírica, o que nos autoriza a fazer especulações, mas reflete um problema para nós, pesquisadores, e para a sociedade, pois não sabemos a realidade desse universo”, complementa.

 

Ações

 

Desde 2017, três anos depois da entrada dos aplicativos de mobilidade no Brasil, a Uber foi alvo de 3.867 de colaboradores pedindo reconhecimento de vínculo trabalhista em todo o país. E quase metade (45,5%) delas foram propostas em Minas Gerais. O levantamento foi feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em julho de 2022. Não há legislação que uniformize os direitos dos motoristas, entretanto, a procuradora do MPT-MG, Melina Fiorini Schulze, destaca avanços a partir das ações. “É comum que as empresas ofereçam acordos, pagando benefícios retroativos, desde que o motorista desista do vínculo. Mas, graças a nossas ações, muitos juízes têm percebido essa prática e estão reconhecendo a relação de emprego”, comemora Melina, que representa Minas na Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret). 

 

A procuradora diz que muitas plataformas se declaram intermediadoras. “Mas se ele (motorista) está sujeito a obrigações e normas, então há subordinação, que configura relação de emprego.” Segundo ela, o que está em jogo são garantias de proteção do trabalho, salário mínimo, recolhimento previdenciário, descansos remunerados, jornadas limitadas e remuneração mais justa. 

 

Posicionamento da Uber

 

Os motoristas parceiros da Uber são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação de viagens oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Dessa forma, não há subordinação na relação, pois a Uber não exerce controle sobre os motoristas, que escolhem quando e como usar a tecnologia da empresa.

 

Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada mínima. 


Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 4.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma, além de julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e oito decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

 

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