Andar pelas ruas de Belo Horizonte pode ser quase um teste físico. A cada esquina, uma ladeira mais íngreme do que a outra. Dirigir também não é tarefa fácil, já que é preciso dominar bem o controle de embreagem para não deixar o veículo morrer em uma pirambeira.

Em uma cidade com vias tão inclinadas, a disputa pelo maior morro é acirrada - e frequentemente alvo de discussão entre a população. Mas, afinal, qual rua tem o trecho mais íngreme do município? 

A campeã fica no bairro Taquaril, na região Leste. Trata-se da rua Expedicionários que, segundo a prefeitura, tem 57% de aclive. Por lá, foi preciso construir um escadão - com 194 degraus em zigue-zague - para garantir o acesso das três famílias que moram no local. Em segundo lugar no ranking está a rua Copérnico Pinto Coelho, no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul. A via tem 55% de inclinação. 

Na sequência, quase empatadas, estão as ruas São Benedito, no São Marcos (Nordeste) e 2.637, no São Bento (Centro-Sul). A primeira, com 51%, e a segunda, com 50% de aclive. Fecha a lista de top 5 de maiores ladeiras a rua Guimarães Rosa, no bairro Nossa Senhora de Fátima, também na Centro-Sul, com 49% de inclinação.

Confira a relação das ruas com trechos mais íngremes de BH:

  • 1º Lugar
    Rua Expedicionários - 57%
    Conjunto Taquaril 
  • 2º Lugar
    Rua Copérnico Pinto Coelho - 55%
    Santo Antônio
  • 3º Lugar
    Rua São Benedito -  51%
    São Marcos 
  • 4º Lugar
    Rua Dois Mil Seiscentos e Trinta e Sete - 50%
    São Bento
  • 5º Lugar
    Rua Guimarães Rosa - 49%
    Nossa Senhora de Fátima 

Fonte: Mapa de Declividades


Rua Monte Alegre, no bairro São Lucas, impressiona pela inclinação (Foto: Flávio Tavares)

Existem morros mais inclinados?

Visualmente, há quem conteste o ranking produzido pelo Instituto de Geociências da UFMG (ICG) em parceria com a BHTrans e divulgado pela prefeitura de BH. Isso porque algumas vias parecem ser mais íngremes do que as apresentadas no estudo. É o caso da rua Copérnico Pinto Coelho, que com 55% de inclinação, aparenta ser menos inclinada do que outras, como a Monte Alegre, no bairro São Lucas (Leste).

Responsável pelo planejamento do catálogo, o professor Rodrigo Affonso de Albuquerque Nóbrega explica que os questionamentos podem não estar de todo equivocados. Segundo ele, a metodologia da pesquisa analisou o percurso entre uma esquina e outra. “Se aquela via não tem um cruzamento, por exemplo, o tamanho dela será maior. Daí, quando você pega a inclinação total, e divide pelo tamanho, a inclinação média, que foi o que buscamos identificar, tende a ser menor”, pontua.

Ainda conforme o pesquisador da UFMG, a repartição das vias, considerando a rota entre uma esquina e outra, é necessária para que o executivo possa definir projetos de mobilidade, saneamento básico, entre outros. “Se o trecho tem uma inclinação de 2%, ele pode até ser considerado plano para caminhar e para deslocamento de veículo. Só que se você pensa isso para um sistema de abastecimento de água ou de esgoto, não é plano. Essa inclinação exige uma intervenção diferente para esse tipo de serviço”, argumenta Affonso.

Como o estudo foi feito

As ruas mais íngremes de BH foram apontadas após estudo que formulou o Mapa da Declividade. O levantamento mapeou a topografia das vias da capital para nortear a prefeitura sobre mudanças que podem ser feitas na questão da mobilidade, como construção de ciclovias. “É como se a gente tivesse avaliado o quanto é dificultoso, trabalhoso, passar por aquela via. É uma análise do esforço que se tem para caminhar, pedalar ou até mesmo dirigir naquele trecho”, detalha o docente. 

A pesquisa, além da base de dados cadastrais da BHTrans, utilizou fotografias aéreas e um material desenvolvido por meio de um laser scanner instalado em uma aeronave que sobrevoou a cidade. “Esse sensor permite que se calcule a topografia. É um material com dados que consideram a distância da superfície até o telhado das casas, o topo das árvores, entre outros. A partir do cruzamento dessas informações com o banco de dados já disponível, dá para ser ter ideia da inclinação daquela via”, explica Affonso. 

Joaquina Moreira e Sousa tem 94 anos e mora na segunda rua mais inclinada da capital (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)

O drama de ruas íngremes

Viver em ruas tão inclinadas é um desafio. Além do constante risco de queda e de restrições relacionadas à circulação de veículos, outros contratempos também são enfrentados. “O problema mais grave é para as pessoas com baixa mobilidade, a exemplo de idosas ou com algum tipo de limitação. Elas têm muita dificuldade para entrar e sair das suas casas. Precisam contar com a boa vontade de vizinhos”, detalha o artista visual Nilo Zack, de 36 anos, que mora no Taquaril, bairro que contabiliza dezenas de morros.  

Outras tarefas simples do dia a dia também são prejudicadas. “Receber correspondências pelos Correios é bem difícil. Não é em todas as ruas íngremes que os Correios fazem entrega. Às vezes, ligam para o morador pedindo para que ele espere lá em cima, no topo da escada”, prossegue Nilo.

O lavador de carro Bruno Lopes da Silva, que desde que nasceu, há 34 anos, mora na rua Copérnico Pinto Coelho - a segunda mais inclinada da capital -, também lista algumas dificuldades de viver em ladeiras. "Quando chove, desce muita água. A enxurrada aqui é grande pela inclinação da via. Os esgotos todos estouram devido ao fluxo da água, e porque desce muita sujeira lá de cima", descreve. 

Acidentes também são frequentes nesses locais. Joaquina Moreira e Sousa, de 94 anos, é uma que entrou na estatística. Residente na Copérnico Pinto Coelho, ela já caiu na via. "Moro aqui há 45 anos. Não é fácil, mas tenho de me adaptar. Vou fazer o quê? Tenho de subir e descer", conta.

Morador do Taquaril, Nilo Zak admite que algumas atividades, como socorro de emergência, são prejudicadas em ruas tão íngremes (Foto: Flávio Tavares/O Tempo)