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Foto: (Do preconceito à decisão: quando colocar o idoso numa casa de longa permanência? / Reprodução)

Do preconceito à decisão: quando colocar o idoso numa casa de longa permanência?

Sociedade ainda convive com tabus sobre levar seus idosos para instituições seniores; especialistas falam sobre o tema

Por Cristiana Andrade, Maria Irenilda, Milena Geovana e Queila Ariadne Publicado em 18 de abril de 2024 | 08h01

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“Eu sempre achei que ia cuidar da minha mãe até envelhecer, no final do final, mas percebi que não ia dar conta. Ela teve uma queda dentro de casa, deu 32 pontos na perna e, logo depois, abriu-se uma ferida que levou três meses para cicatrizar. Então a médica falou que ela estava com uma demência leve”. O relato é da costureira Tatiane Fernandes de Azevedo, 40. Ela é filha única. Sua mãe tem 86 anos e passou por situação que comprometeu sua mobilidade. 

 

Diante disso, Tatiane colocou um cuidador quatro vezes na semana em casa e, à noite, ela mesma cuidada da mãe, além dos demais dias da semana. “Só que tenho filha, marido, e é muito cansativo. Fiz os cálculos para colocar cuidador 24 horas, mas era muito caro. Ela então caiu de novo, quebrou os dentes. Foi ao dentista fazer a reconstituição e, depois disso, caiu mais duas vezes. Cogitei então colocá-la na casa de repouso”, conta.


Depois de muito pesquisar, a costureira viu que havia uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (Ilpi) perto de sua casa, conheceu e gostou do lugar. “Gostei das proprietárias, das enfermeiras, gostei de todo mundo e tem tudo incluso. Essa é uma escolha difícil. E, se um dia você precisar colocar seu pai ou mãe numa casa, não vá com um olhar preconceituoso. E também não julgue quem coloca, porque nesse momento a gente precisa de apoio”, desabafa.


Entre as tentativas de cuidar em casa e a decisão de colocar os pais em uma Ilpi, existe muita culpa, choro e dor, além de preconceito. É um caminho permeado por dúvidas, mitos e tabus. Mas essa é uma decisão que não parte apenas da família - muitos idosos fazem essa opção: conheça a história de dona Odineia Marques, que aos 94 anos optou por viver em uma casa com outros idosos.

 

Sensação de abandono
 

O dentista Leonardo Tiengo, 43, recentemente vivenciou um dos maiores desafios da sua vida: levar o pai, de 80, para uma instituição. Após sofrer um AVC, Antônio Gama Tiengo perdeu a mobilidade. Leonardo quis cuidar dele e chegou a ficar sem trabalhar por 40 dias. “A limitação dele chegou ao ponto de eu ter que trazê-lo para morar comigo. Foi quando fui vendo as coisas acontecerem. Ele chegou a um ponto que não renovou mais a carteira de motorista, pela qual tanto prezava. Aí, chegou a época em que não saiu mais sozinho. E isso vai acontecendo devagar, uma etapa que a gente acha que está tudo normal. Realmente é normal, é a degradação dos anos”, diz.
 

O dentista Leonardo Tiengo revela que tinha um preconceito muito grande para deixar o pai em uma casa sênior.
Leonardo Tiengo lutou muito contra a ideia de levar o pai, Antônio, para uma casa sênior - Foto: Flávio Tavares/O Tempo


Após mergulhar nos cuidados com o pai, a mulher de Leonardo, Carolina, alertou o marido sobre sua qualidade de vida, em que a rotina e o trabalho estavam sendo deixados de lado. “Ela tentou me mostrar que eu tinha minha profissão e falou da casa de idosos. Meus irmãos também falaram, mas eu queria ele dentro de casa. Tinha um preconceito muito grande com ter que levá-lo para algum lugar, lutei muito contra isso. Quando chegou ao ponto de o médico falar comigo, eu parei para pensar. Eu achava que estava abandonando meu pai”, recorda-se. 
 

Autocuidado


Cuidar dos pais idosos, principalmente quando estão acamados ou com limitações relacionadas à independência na realização das atividades básicas – comer sozinho, tomar banho, se locomover, ou seja, manter o autocuidado de forma independente –, exige dedicação em tempo integral. E os desafios ultrapassam o cansaço. Tem teimosia e tem o processo de não aceitação da condição de não dar mais conta de se virar sozinho e receber ordens dos filhos.

 

Segundo a enfermeira Fernanda Vidal, sócia-proprietária da Casa Recanto do Pomar, na região Noroeste de Belo Horizonte – onde a mãe de Tatiane de Azevedo mora hoje –, quando os filhos se deparam com o envelhecimento e adoecimento do pai ou da mãe, geralmente há um conflito: eles querem cuidar dos pais, e os pais não querem ser cuidados pelos filhos do jeito que os filhos querem. 

 

Fernanda Vidal, proprietária da Casa Recanto do Pomar, em Belo Horizonte, com idosa que vive no local
Fernanda Vidal, da Casa Recanto do Pomar, com a moradora Maria Domingas - Foto: João Godinho/O Tempo
 

"Filho quer mandar"
 

“Porque às vezes tem aquela percepção assim: ‘Ah, o filho vira pai, e o pai vira filho’. Mas não é bem assim. Essas relações para o idoso não são bem recebidas, ele continua sendo o pai. Então quem ‘manda’ na relação continua sendo o pai ou a mãe. E aí vem o conflito para quem está na terceira idade: é a pessoa mais jovem querendo ‘mandar no idoso’, não deixando ele fazer determinadas coisas. Mas o pai ou a mãe já vivenciaram muita coisa, e eles querem continuar a viver do jeito deles. Alguns aceitam bem as limitações impostas pela idade, outros têm maior dificuldade. Vemos que essas questões são grandes dificultadoras na relação entre pais e filhos”, observa. 

 

Na visão do psiquiatra Carlos Augusto Mariquito Filho, proprietário da Belvedere Sênior, nessa etapa da vida a posição se inverte e os filhos acabam assumindo a posição de pais. “Algumas experiências dessas acabam não sendo tão boas. É o filho ou a filha que hoje estão cuidando do pai ou da mãe, e o processo é pesado. Porque muitas vezes não estamos falando de um envelhecimento comum, mas de um envelhecimento patológico, um comprometimento cognitivo, comportamental. E, na maioria das vezes, a família não sabe lidar com isso”, pontua.



Esta matéria integra o especial "Tempo de Envelhecer:quando viramos pais de nossos pais", da Mais Conteúdo, de O TEMPO. O episódio 4 do podcast, com mais personagens e outras análises de especialistas, você ouve abaixo:

 

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