Recentemente, Rodrigo Mocotó, chef do restaurante Mocotó, em São Paulo, expressou sua frustração com algumas críticas recebidas de clientes em avaliações no Google. Ele destacou que esses reviews, em certos casos, acabam afetando a pontuação verdadeira do estabelecimento, que deveria refletir as opiniões de quem realmente visita o restaurante e prova a sua comida. Mas bem antes da exposição recente, feita por outros tantos profissionais sobre avaliações – algumas irreais e outras, sem sentido – que seus respectivos restaurantes receberam na plataforma, na capital mineira um grupo virtual hospedado no Facebook funcionava em seus tempos áureos como uma plataforma de divulgação do suprassumo da insatisfação de clientes e aspirantes a críticos de gastronomia.
Batizada de “Restaurantes de Belo Horizonte”, a comunidade virtual se tornou um espaço onde as pessoas expressavam suas opiniões sobre estabelecimentos, chefs e comida, sendo são ouvidas e acolhidas.
Em 2018, entre os diversos comentários, um chamou a atenção: a crítica de uma usuária ao preço de um dos pratos servidos no restaurante Glouton – no caso, papada de porco com mil-folhas de mandioca, acelga e molho de laranja, que, na época, era vendido por R$ 74. 'Será que a gente tem um prazer sórdido em ser feito de trouxa?', questionou a cliente no grupo, sugerindo que o valor era abusivo para um prato preparado com um ingrediente – a papada de porco – que, naquele período, custava R$ 6,50 o quilo."
O chef Leo Paixão, dono do estabelecimento, deu uma resposta que foi uma espécie de “sincericídio” sobre os valores gastos para manter um restaurante, bem como o processo de preparo do prato comentado, detalhando o tempo de trabalho exigido para limpeza e cozimento, que demanda muitas horas para ser feito. “Trocando em miúdos, do custo dessa papada pra mim, somente 1/3 foi de ingrediente”, disse ele sobre a receita que está há 11 anos no cardápio, desde a abertura da casa.
“Expliquei, na época, que o que o cliente paga é diferente de pedir o ingrediente no supermercado. É uma experiência. Hoje as pessoas têm uma compreensão maior sobre isso. Mas na época, há 10 anos, não era comum restaurantes refinados prepararem insumos simples com técnica”, comenta Paixão, relembrando o episódio que até rendeu mídia nacional.
Como funcionam as avaliações no Google?
As avaliações hospedadas no Google - que segue como o maior site de buscas do mundo - , são guias de orientação para muita gente antes de conhecer um endereço gastronômico. De acordo com a própria plataforma, que explicou para O TEMPO o mecanismo dos reviews, “as contribuições feitas devem refletir uma experiência autêntica em um lugar ou empresa, e uma contribuição poderá ser recusada se o conteúdo for inserido de maneira imprecisa no mapa. As avaliações são processadas por sistemas automatizados e equipe de pessoas treinadas para detectar conteúdo impróprio, como avaliações falsas e spam”. Na realidade, chefs e proprietários enfrentam caminhos mais tortuosos.
“As avaliações são úteis para nós, sim. Mas o comportamento de alguns clientes insatisfeitos vira sinônimo de vingança na internet, para reclamar muito mais do que uma avaliação real da experiência. Em qualquer lugar visitado, o número de insatisfações não representa a realidade completa. É uma amostragem que pode ser enviesada”, pontua Leo Paixão. Apesar do endereço celebrar poucas avaliações de insatisfeitos, o chef avalia que os comentários na plataforma do Google funciona como um SAC. "É mais um canal de reclamação do que realmente uma forma de expressar a realidade", finaliza.
Uma estrela
Quem concorda é o restaurateur Vitor Velloso, dos estabelecimentos Pacato e Pirex. Ele comenta sobre alguns usuários que colocaram somente uma de cinco estrelas para insatisfações incoerentes e cita alguns exemplos de pessoas que reclamam que não podem usar o banheiro destinado somente aos clientes ou experiência ruim quando um local está cheio por causa de uma chuva torrencial do lado de fora. “A maioria dos comentários negativos tem um ar de vingança, focado em mais difamação do que reparação. É o cliente que se sente injustiçado e ele entende que causar um dano ao estabelecimento é mais fácil do que conversar e resolver; em vez de ser uma negociação, ele se vinga na internet”, lamenta.
O temor de uma avaliação com uma estrela também é vivido pela chef Bruna Haddad, do Zuzunely. Em uma das visitas, uma cliente escreveu no Google: “Estávamos com a nossa filha de 2 anos e perguntamos se poderiam fazer um ovo mexido para ela e falaram que não, só o que está no cardápio”.
Ela acredita que, “como o Zuzunely é uma casa especializada em café da manhã, que é uma refeição que geralmente se come na própria residência, os clientes acham que é tranquilo pedir coisas que eles acham simples e que estão fora do cardápio. Infelizmente, nem sempre conseguimos mudar nossa logística para atender vontades pessoais além da oferta do menu”, observa.
Em outro comentário que também ganhou uma estrela, diz: “Apesar do lugar ser muito bonito e atrativo, em pleno 2024 não tem nenhuma opção vegetariana". O cardápio vigente do Zuzunely, de acordo com a chef, contempla 40% de sugestões de ingredientes vegetarianos, bem como opções sem lactose, ovo e glúten que são sinalizadas no cardápio.
Sempre razão?
A premiada chef Tássia Magalhães também expôs em seu perfil uma das avaliações - com uma estrela - do seu restaurante, o Nelita, que fica em São Paulo. Ela relata sobre o episódio que aconteceu durante o apagão que assolou recentemente a capital paulista, deixando pessoas desabrigadas e inúmeros estabelecimentos sem luz, como o Nelita. E, um dos clientes avaliou o descontentamento sobre a experiência. “Me sinto como um completo idiota por ter optado em permanecer no local, comer no escuro, com calor, sem poder pedir o que realmente queria e receber o mesmo tratamento e conta como se o serviço tivesse sido de um dia normal”, escreveu.
Tássia não só compartilhou a avaliação do cliente, como escreveu o seu lado da história: “Eu me lembro exatamente da mesa dele. Falou que era seu aniversário, servimos duas taças de espumante de cortesia e, quando fomos em sua mesa, ele demonstrou dúvida em ficar no restaurante devido a situação. Após uns minutos pediu um vinho e ficou no restaurante sem nenhuma pressa de ir embora, ou questionando qualquer incômodo”, relatou.
O desabafo da chef foi o estopim para quem sempre se preocupou com a opinião dos seus comensais. “Comecei a entender que têm muitas críticas de pessoas que não têm fundamento nenhum, de pessoas que são realmente abusivas e que usam esse tipo de site ou avaliações para ter algum benefício próprio, independente se está lesando ou não o restaurante, sabe?”, disse. “Não posso deixar que um cliente faça o que ele quer dentro de um restaurante que é meu, em circunstâncias que eu não tinha como dominar ou que eu não tinha como resolver”, lamenta sobre o episódio.
Google explica como funciona o processo de avaliação na plataforma
Muitas dessas críticas, de uma estrela, também são de usuários que nunca foram ou comeram no estabelecimento, mas que comentam para criar uma corrente de ódio e insatisfação contra algum posicionamento do local ou para aplaudir algum cliente-amigo que não teve uma experiência que atendeu totalmente a expectativa.
Vitor Velloso relembra quando enfrentou uma série de comentários negativos que chegou a ser um caso de difamação. “Sinalizamos ao Google sobre avaliações de quem nunca esteve no local. Alguns clientes conseguimos checar se eles estiveram mesmo no local, pelas reservas e cadastro ou pelos funcionários”, detalha.
A plataforma afirma que encoraja os “usuários a denunciar locais e recomendações que suspeitem ser falsas, o que nos ajuda a manter as informações no Google Maps autênticas e confiáveis”. Ainda é apontado que o engajamento falso não é permitido e será removido caso seja comprovado “pagar ou incentivar a postagem de conteúdo que não representa uma experiência verdadeira; conteúdo que não se baseia em uma experiência real e não representa com precisão o local ou produto em questão e conteúdo que foi postado em várias contas para manipular a classificação de um lugar”.
Impacto na clientela
O restaurante Pacato diz que sempre orienta os funcionários a perguntarem diretamente ao cliente sobre a experiência e oferecer um canal direto com o dono ou chef. "Às vezes é preciso lembrar as pessoas que elas não são juradas do Masterchef", brinca. "Essa tentativa de ser jurado de reality show não cabe na vida real", diz Vitor Velloso sobre a presença dos influenciadores digitais que criam perfis próprios alimentados de avaliações negativas sobre os espaços que visitam.
“Meu conselho é sempre o mesmo: preste muito menos atenção nas avaliações. A pessoa que dá 3 ou 4 estrelas geralmente tem algo a dizer. Quem dá 1 estrela significa que a avaliação diz mais sobre ela do que sobre o restaurante em si”, defende Velloso.