A produção do requeijão moreno é um importante pilar que coloca Minas Gerais em lugar de expressividade na tradição queijeira. E, por mais que a atividade integre a história de várias regiões em uma prática ensinada e aprendida ao longo das gerações, ainda faltava uma lacuna a ser preenchida: o reconhecimento desse mesmo produto como queijo artesanal e de sua importância econômica e social no Estado. O novo título, conquistado no final de abril, foi publicado no “Diário Oficial do Estado” (“DOE”) e, agora, segue os trâmites legais para que os produtores e as queijarias possam se regularizar e sair da clandestinidade.

Eduardo Girão, jornalista e especialista em queijos da Só Queijo Cura, empresa de eventos e consultoria no setor, explica que o requeijão moreno é um dos mais tradicionais e peculiares queijos artesanais, justamente pela sua produção e pelo resultado: o sabor quando vai à boca. “Em uma das etapas de preparo, ele tem acréscimo de creme de leite cozido no tacho. Ele se transforma em um óleo mais escuro, que é fundido na massa, e, por isso, ganha esse tom caramelizado, que também é percebido no gosto”, explica. “É um produto muito nobre, então vejo com alegria essa etapa de formalização do produto aos olhos do governo. É um momento histórico”, opina, sobre a regulamentação da produção e comercialização, decretada no final do mês passado. 

Essa iguaria chama a atenção dos chefs de Belo Horizonte, que passaram a reinventar as suas possibilidades de uso por causa do conjunto de características: casca fina, textura cremosa e sabor levemente defumado. “Eu amo requeijão moreno, um ingrediente nosso, uma técnica elaborada e tradicional que sobreviveu até hoje por meio da tradição oral e que agora, ao ser reconhecido como queijo artesanal de Minas, ganha o cuidado merecido para que sobreviva ao longo do tempo”, afirma a historiadora e chef Ju Duarte, da Cozinha Santo Antônio. 


O ingrediente faz parte do prato Maria da Cruz, que presta uma homenagem a uma senhora de mesmo nome que viveu no Norte de Minas, na beira do rio São Francisco, no século XVIII, e é lembrada na história por ter sido uma rebelde. A maçã de peito é assada em baixa temperatura até desmanchar e recebe um toque de pequi e pimenta-malagueta. A mandioca é cozida, regada com manteiga de garrafa e coberta com um pedaço de requeijão moreno maçaricado. Por fim, meia espiga de milho cozida e tostada. 

Características

Ao menos 54 produtores fabricam o alimento no Norte de Minas, principalmente no Vale do Mucuri, que é a região mais expressiva e referência na produção. Quando o chef Caio Soter, do Pacato, fez uma expedição pelo Vale do Jequitinhonha, também no Norte do Estado, no final de 2022, para buscar referências para a criação do menu-degustação daquele ano, o ingrediente seguiu praticamente obrigatório nos pratos servidos no restaurante. “Ele é um produto muito identitário. Tanto que lá no Jequitinhonha os moradores nem o chamam de ‘requeijão moreno’ ou ‘de corte’, e sim apenas de ‘requeijão’. É um produto que requer muito tempo para ser preparado. Gasta muito leite, muito tempo e muito braço. Faz com que ele seja muito”, relembra ele. 


No menu-degustação vigente, lançado em março deste ano, que a cada etapa homenageia queijos de todas as regiões do Estado, o requeijão moreno se faz presente em preparos doces e salgados. “Apesar de ser usado no contexto salgado na maioria das vezes, ele tem uma nota de caramelo que fica muito boa usada em receitas doces”, explica, fazendo menção à casquinha de requeijão moreno com goiabada, picles de goiaba e caviar de flores, servida como uma das sobremesas da experiência gastronômica. 

No Omilía, o nhoque preparado pelo chef Gabriel Trillo é uma receita italiana que foi ensinada por sua tia já falecida. “Ela me ensinou a fazer o gnocchi alla romana ainda criança. Ele levava parmesão italiano, com a massa cozida na panela e, depois de desenformada, cortada e, assim, gratinada”, explica. No restaurante, o prato é servido com bife ancho grelhado. “Adaptei a receita original dela com requeijão moreno da região do Serro, justamente pelo sabor defumado. Ele tem um gosto de raspa de panela que é sensacional. Por ser um produto mais gorduroso, gosto de utilizá-lo em massas e risotos”, exemplifica. 


A cor desse queijo, que varia do amarelo ao marrom, é outro fator especial. O chef André Paganini, do bar Chico Dedê, faz um molho na cor de caramelo que é fundido com o requeijão em uma receita que também é feita com isca de carne de sol, curada no próprio restaurante. “Quando colocamos esse ingrediente no cardápio, foi com a intenção de trazer o Norte de Minas, uma região extremamente rica em sabores, para dentro do Chico Dedê”, disse. “O prato sai do óbvio filé com gorgonzola. O requeijão moreno, de corte, tem um sabor marcante que combina demais com carne de sol”, explica.