Ela quase sempre está presente no almoço de domingo de muitas famílias brasileiras, que podem ter boas histórias – e receitas – sobre esse prato. A lasanha é tão amada que até ganhou um dia pra chamar de seu: 29 de julho. Em Belo Horizonte, onde a tradição gastronômica é resultado também da imigração italiana entre o final do século XIX e o início do século XX, a receita ganha novas camadas – literalmente. 

Na Cantina Piacenza, restaurante italiano em Belo Horizonte, a lasanha ocupa um espaço central no cardápio, mesmo tendo começado fora dele. Segundo o chef Américo Piacenza, por muito tempo o prato era feito apenas sob demanda, mas conquistou seu próprio lugar devido à insistência dos clientes. “Ela já saía antes mesmo de estar no cardápio. É um prato de conforto, que atravessa gerações e agrada de crianças a adultos”, diz.

A relação do chef com a lasanha é profunda e pessoal. A receita mais tradicional da casa é um legado direto de sua mãe, Mirtes Piacenza, que vendia massas caseiras quando ele ainda era adolescente. “A primeira lasanha que fiz no restaurante foi a da minha mãe. Uma receita simples, mas muito marcante: massa fina, molho branco, molho à bolonhesa e parmesão”, conta. O prato, segundo ele, carrega também referências da avó e do convívio familiar.

 

Américo Piacenza, chef do restaurante Cantina Piacenza, e sua mãe Mirtes Piacenza mostram que lasanha é receita de família. Foto: Alex de Jesus / O TEMPO

 

Atento à técnica, Américo destaca a importância do equilíbrio entre os elementos: nada de excesso de molho ou camadas mal-estruturadas. “A massa tem que estar presente. Lasanha não pode ser só molho”, reforça, citando como referência o chef italiano Salvatore Loi, da Modern Mamma Osteria (SP), que defende o uso generoso de camadas de massa para garantir textura e consistência.

Interpretações

A receita vai além dos tradicionais presunto e queijo, bastante molho e queijo gratinado e ganha novas combinações. Na mesma Cantina Piacenza, além da versão clássica, a aposta também é em variações criativas. Uma delas é a lasanha negra aberta, feita com massa de tinta de lula, montada na hora, com camarão, pupunha, lula e cogumelos, servida com bisque. Há também versões sazonais com bacalhau, cordeiro ou carnes de caça. Mas, como o chef Américo admite, “é difícil desbancar a lasanha tradicional”.

Essa também é a proposta do chef Felipe Leão, à frente do restaurante Villeon, no bairro Luxemburgo. Conhecido por seu olhar contemporâneo sobre pratos clássicos, o chef resolveu incluir duas receitas especiais de lasanha em seu menu. “Quis trazer versões que despertassem conforto, sem pesar, com recheios bem-trabalhados, molhos ricos e combinações que surpreendem sem exageros”, explica o chef. “São receitas que respeitam a essência da lasanha clássica, mas com um olhar mais contemporâneo, voltado para quem quer comer bem e se sentir bem depois”, detalha.

A lasanha caprese aposta na simplicidade: leva muçarela de búfala artesanal produzida por Vincenzo, pequeno produtor parceiro da casa, e um molho de tomates frescos, aromático e leve. Já a de cogumelos é uma homenagem à mineiridade, com requeijão moreno artesanal da Fazenda Santa Rita, em Ferros (MG).  “Num domingo, comer aquela lasanha que lembra a da vó, dos almoços em família com mesa cheia… não tem nada melhor que isso”, conta. “As nossas foram pensadas exatamente nesse sentimento de aconchego”, disse.

Lasanha caprese do restaurante Villeon é feita com muçarela de bufála artesanal. Foto: Marcella Pio/divulgação

Se há espaço para inovação e criatividade, há também lugar para quem escolhe caminhar lado a lado com os clássicos. No restaurante Gennaro, comandado pela chef Tainá Moura, a lasanha é tratada como um símbolo da cozinha afetiva italiana – como a tradicional lasanha à bolonhesa que é o carro-chefe da casa. Há espaço para outras versões, como a de berinjela com molho pomodoro, uma opção vegetariana. 

“A lasanha é um dos pratos que mais traduzem a essência do Gennaro: tradição, sabor e respeito à cozinha”, explica Tainá. “Trabalhamos para manter a autenticidade das receitas, mas também trazemos combinações que refletem nossa identidade”, disse.

E tudo começa com a massa. No restaurante, todas são produzidas artesanalmente, uma escolha que, segundo Tainá, é determinante para a qualidade final do prato. “A textura e o frescor da massa fresca são incomparáveis. Ela absorve melhor os molhos, e o resultado é um prato equilibrado, delicado e cheio de sabor”, acredita. 

Lasanha feita com berinjelas empanadas ao molho de tomates frescos do Gennaro. Foto: Larissa Góes/divulgação

 

Camadas

A massa também é determinante no Pastaio, restaurante e pastifício comandado pelo chef Yves Saliba. Ela é feita com proporções equilibradas de farinha de trigo, sêmola e gema de ovo, que dá estrutura para o prato. “Mesmo sendo úmida e suculenta, a massa não se desfaz. Tem uma mordida muito boa”, explica o chef. 

Além da massa, a receita é uma construção minuciosa, feita de processos longos, ingredientes e camadas pensadas para entregar intensidade e equilíbrio do início ao fim da mordida. “A gente apresenta como uma lasanha de costela, mas são muitos processos que a tornam única”, resume Yves, ao descrever uma receita que passa por defumação, cocção em baixa temperatura, montagem precisa e ainda mais defumação depois de assada.

Ele explica que são cinco camadas, intercalando massa, bechamel leve, ragu de costela e queijo grana padano. Depois de montada, a lasanha é assada por uma hora, em temperatura baixa e sob nova defumação – o que intensifica ainda mais os sabores. Na finalização, mais bechamel, mais queijo e mais molho na base do prato na hora de servir uma generosa fatia. “É uma construção de camadas de sabor. Tudo separado, mas pensado para se unir na boca. O pomodoro por baixo limpa o paladar e equilibra o prato”, finaliza Yves.

Lasanha de costela bovina defumada do Pastaio. Foto: Victor Schwaner/divulgação

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No restaurante Ninita, do chef Leo Paixão, a massa fresca artesanal é apenas o ponto de partida. “Fazemos a melhor massa que conseguimos, com a melhor farinha que achamos. Sempre fresca, feita todos os dias”, disse. O rigor técnico ao tratar até os preparos mais clássicos, como a lasanha, é uma das marcas do chef. A bolonhesa, feita com carnes de porco e de boi, é cozida lentamente com bastante vinho tinto e tomates até atingir um ponto denso de sabor, quase a ponto de “desmanchar”, como define o chef. 

O preparo recebe ainda um toque refinado: é misturado a um molho mornay (bechamel enriquecido com queijo), que confere leveza e cremosidade à composição, antes de ser gratinado. A receita é servida com folhas de rúcula, azeite, raspas da limão e flor de sal.

Para o chef, o segredo não está em “inventar moda”, mas em respeitar o trabalho e os processos das receitas. “As pessoas precisam entender que comida boa dá trabalho. A gente tem uma equipe grande e processos muito complexos para alcançar esse resultado. E, sim, gastamos uma fortuna nos melhores ingredientes que existem”, finaliza.

Em novos formatos

Há também quem mergulhe de cabeça na ousadia e veja na diversidade de sabores uma forma de romper com o lugar-comum do prato. Na Amassa Cozinha, criada pelos irmãos Miguel e Pedro Valente, a lasanha se transformou no principal produto da casa e um reduto de criação constante no que diz respeito aos sabores da receita.

A história começou de forma despretensiosa: ainda atletas, os sócios consumiam massas diariamente e, com um cilindro artesanal, começaram a produzir suas próprias receitas. A partir daí, surgiram as primeiras lasanhas, que rapidamente se tornaram a base do negócio.

O diferencial veio da observação: faltavam opções criativas no mercado de lasanhas. “Percebemos que não havia variedade. Vimos uma oportunidade de fazer diferente”, conta Miguel.
Hoje, a Amassa oferece sete sabores de lasanhas congeladas artesanais. A mais vendida é a de costela com cebola caramelizada, receita inaugural que se mantém no cardápio. 

A massa de lasanha virou petisco com molho à parte no restaurante Amassa. Foto: Vale Registrar/Thaís Neto/divulgação

Outras versões incluem abóbora com carne de panela, brócolis com alho frito e brie (sugerida por uma cliente e vencedora de concurso) e uma novidade em fase de testes: kimchi com queijo, apelidada de kimcheese.

No restaurante, as lasanhas também aparecem como entradas criativas. O snack de lasanha crocante, servido com molho Canastra curado e bolonhesa à parte, e o dadinho de lasanha de ossobuco são destaques. “Buscamos fugir do óbvio, mesmo nos sabores clássicos”, afirma o chef. “Mas mantemos versões como a bolonhesa, sempre com atenção à qualidade dos ingredientes”, finaliza.