Cerveja não é apenas sobre brindar. É sobre perceber: a cor, o aroma, a textura e o sabor que fica. A cada gole, há um universo esperando para ser explorado com calma, curiosidade e sensibilidade.
O Dia Internacional da Cerveja, celebrado na primeira sexta-feira de agosto, é um convite aos apaixonados pela bebida a vivenciarem a cerveja de outra forma: com os cinco sentidos despertos, em casa, com amigos ou em silêncio.
Degustar é diferente de beber
“Todo mundo pode beber uma cerveja, mas degustar exige atenção. A diferença entre consumo e experiência está totalmente na presença dos sentidos”, explica a sommelier Ana Paula Nicolino, mestre de estilos e especialista em análise sensorial do Grupo Petrópolis.
Ela descreve a degustação como um ritual completo: ouvir o som da garrafa sendo aberta, observar a coloração e a espuma, sentir os aromas que escapam do copo, provar com calma e até perceber o tato da bebida na boca. “É um processo mais analítico. Quando degustamos, usamos todos os sentidos, inclusive a audição e o tato, que muitas vezes são esquecidos”.
Essa atenção plena é o que transforma o ato de tomar uma cerveja em uma jornada sensorial, como reforça o sommelier Charleston Agrícola, gerente de categoria de cervejas da Ambev e primeiro homem preto da América Latina laureado com a certificação Cicerone. “O que vai diferenciar o simples consumo de uma verdadeira experiência sensorial é o quanto de atenção a gente consegue colocar naquele produto. Degustar é estar inteiro ali, com todos os sentidos despertos”.
Montando a noite ideal de degustação
Para quem nunca montou uma degustação em casa, começar pode parecer intimidador, mas os especialistas garantem: é mais simples e mais prazeroso do que parece.
“Comece entendendo um pouco sobre os ingredientes básicos da cerveja e o quanto cada um contribui para o sabor final. Isso faz toda a diferença na hora de escolher rótulos que realmente agradam ao seu paladar”, sugere a sommelier Bruna Nunes, mestre de estilos e especialista em análise sensorial também do Grupo Petrópolis.
Charleston Agrícola complementa. “O primeiro passo é olhar para o nosso histórico sensorial. Comece com o que você já gosta, aquela cerveja familiar. Observe a cor, sinta o aroma, beba com atenção e perceba o retrogosto. É isso que vai moldar sua relação com a cerveja”.
A dica de ouro é começar com três estilos: um leve para entrada, outro para o prato principal e um mais encorpado para a sobremesa. “Isso ajuda a manter a atenção e experimentar mais cervejas”, sugere o sommelier.
Preparando o ambiente: menos distração e mais atenção
Para uma verdadeira degustação, o ambiente importa. Uma iluminação confortável, silêncio ou música suave e ausência de perfumes fortes ajudam a criar um clima ideal para perceber todos os detalhes da cerveja.
Charleston Agrícola pontua alguns erros que atrapalham na experiência. “O ideal é evitar escovar os dentes, fumar ou consumir café antes da degustação. Esses hábitos interferem nas papilas gustativas e mascaram o paladar”.
O copo faz a diferença - e o lagoinha continua sendo rei
Engana-se quem acha que o copo é só um detalhe. A forma, o material e até a boca do recipiente influenciam diretamente no aroma, na espuma e na percepção da bebida.
“Cervejas mais leves pedem copos com a boca um pouco mais fechada, que concentram melhor os aromas. Já as cervejas mais aromáticas, como uma IPA, se beneficiam de copos com a boca mais aberta”, explica Ana Paula.
Charleston Agrícola confirma e vai além. “O caldereta e o copo americano, ou lagoinha como é conhecido na capital mineira, são curingas incríveis. Mas se você tiver uma taça ISO ou de vinho branco, melhor ainda. O importante é a limpeza, que deve ser feita com detergente neutro e esponja exclusiva para copos. Nada de bolhas grudadas no vidro, isso é sinal de gordura”.
Nem toda cerveja deve ser ‘trincando’
Embora a cerveja extremamente gelada seja uma paixão nacional, para a degustação, a regra muda.
“Se a cerveja estiver trincando, os compostos aromáticos ficam presos e as papilas gustativas não conseguem perceber todos os sabores. Você perde o melhor da bebida”, afirma Ana Paula.
Charleston Agrícola explica que a temperatura ideal varia conforme o teor alcoólico da cerveja. “Cervejas mais fortes e complexas pedem temperaturas mais altas. Para não errar, a dica é sempre conferir o rótulo”.
Resetando o paladar: pão, água e até o próprio braço
Vai provar vários estilos na mesma noite? Então é hora de “resetar” os sentidos entre uma cerveja e outra.
“Água, biscoito água e sal ou até um pedacinho do miolo de pão francês ajudam a limpar o paladar. E para o olfato, o melhor truque é cheirar a própria pele ou a roupa que está usando, isso neutraliza os aromas anteriores”, ensina Bruna Nunes.
Charleston Agrícola reforça a importância de intercalar a degustação com hidratação. “Beber água entre as cervejas ajuda na percepção sensorial e reduz a absorção do álcool. Além disso, torradas também são boas pedidas”.
Ver, cheirar, provar e anotar
Quer aprofundar sua relação com a cerveja? Escreva sobre suas percepções no momento da degustação. “Quando você anota suas impressões, acaba prestando mais atenção aos sentidos. Com o tempo, isso vira uma biblioteca sensorial”, explica Ana Paula.
E o Charleston Agrícola é da mesma escola. “As anotações são essenciais para criar repertório. A gente passa a lembrar melhor do que experimentou e como se sentiu. E quanto mais cervejas e comidas diferentes você experimentar, mais aguçado será seu paladar”.
Cerveja zero é tendência
Se antes a cerveja sem álcool era vista com desconfiança, hoje ela ocupa cada vez mais espaço nas geladeiras e nos copos dos brasileiros. Ainda de acordo com o sommelier Charleston Agrícola, a categoria “zero” cresceu cerca de 40% em volume no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Só dentro do portfólio da companhia, a oferta de rótulos sem álcool aumentou 20% no último ano.
Segundo ele, a expansão é reflexo direto de uma mudança no comportamento do consumidor, que tem buscado experiências mais equilibradas, sem abrir mão do sabor. Marcas como Brahma Zero, Budweiser Zero e Corona Zero - esta última com adição de vitamina D - são algumas das opções que acompanham esse movimento.
“Hoje a cerveja zero é uma realidade e tem tudo para crescer ainda mais no país”, explica Charleston Agrícola.
Checklist para uma noite de degustação em casa
- Escolha de 3 a 5 estilos de cervejas diferentes;
- Sirva do mais leve ao mais intenso;
- Use copos limpos e adequados;
- Verifique a temperatura ideal de cada cerveja;
- Prepare petiscos e pratos equilibrados;
- Prepare o ambiente para evitar dispersão: pouca luz, sem perfume e som leve;
- Tenha água, biscoito água e sal, pedaços de miolo de pão francês e torradas para “resetar” o paladar;
- Use a própria pele e roupa para limpar o olfato durante a degustação;
- Faça anotações e compartilhe com os amigos depois.
* Estagiário sob supervisão de Renata Evangelista